No último dia 17 de abril o Senado aprovou um empréstimo do governo federal no valor de US$ 250 milhões do Banco Mundial para financiar ações do novo ensino médio brasileiro. A aplicação do recurso tem previsão de cinco anos e ele será destinado a fundações ligadas a empresas e bancos, que deverão coordenar a capacitação de gestores públicos para a implementação dos novos currículos – os itinerários formativos – atualmente em fase de discussão.
Os empréstimos não obtiveram grande repercussão, não viraram notícia, por assim dizer. Mas deveriam.
Juntamente com a então PEC 241, hoje EC 95, que congelou por vinte anos os investimentos públicos brasileiros, a reforma do ensino médio foi um dos assuntos que mais agitaram os meses subsequentes ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff, muito em função das ocupações das escolas pelos estudantes secundaristas. Em pouco mais de cinco meses (set./2016-fev./2017), o governo lançou a proposta de reforma por meio de uma medida provisória (!), a MP 746, “discutiu com a sociedade”, aprovou no Congresso Nacional e sancionou a agora Lei n. 13.415/2017. Vale recordar que a reforma traz alterações drásticas, inclusive sobre a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) .
O currículo escolar deverá ser preenchido em 60% pela Base Nacional Comum Curricular, e os 40% restantes cabem aos chamados itinerários formativos, com cinco opções de áreas (matemática, linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e ensino técnico profissionalizante de nível médio). Ocorre que as escolas não são obrigadas a fornecer todos os itinerários, basta somente um modelo disponível. Na prática, oficializa-se uma divisão entre estudantes com acesso a um ensino mais holístico e outros com ensino de baixa qualidade. Há ainda a previsão de complementação dos estudos em até 40% do currículo na modalidade de educação a distância. Outra mudança que passou despercebida diz respeito ao mercado editorial.
A nova lei prevê ainda que os livros didáticos sejam reeditados anualmente (hoje a reedição ocorre a cada três anos), o que deverá aumentar sobremaneira os lucros das editoras, muitas delas controladas pelo capital estrangeiro. Dentre as consultorias a serem beneficiadas pelo empréstimo estão Fundação Lemann, Instituto Ayrton Senna, Itaú Social e Instituto Natura, todas ligadas a grandes empresas. Ressalta-se que parte das propostas transformadas em lei vem há muito sendo debatida pelos setores privatistas da educação no Brasil, por meio do fórum “Todos pela Educação”, que reúne diversas empresas e bancos e tem o apoio da Rede Globo.
Alertamos que o ensino médio não está em risco sozinho, pois mudanças semelhantes vêm sendo defendidas também para o ensino superior. O Relatório do Banco Mundial sobre a eficiência dos gastos públicos brasileiros, publicado em novembro de 2017, recomenda explicitamente a privatização do ensino superior público, dentre outras medidas que visam atender interesses privados. Sobre esse assunto, lembramos a fusão do grupo Kroton com a Estácio de Sá em 2016, que consolidou a Kroton como o maior grupo educacional do mundo, com mais de 1,6 milhão de universitários.
A resistência da comunidade educacional1 – estudantes, pais, educadores, gestores e trabalhadores em educação – em relação à reforma do ensino médio se deve tanto ao teor quanto à forma autoritária com que as mudanças foram propostas, desconsiderando-se inclusive o acúmulo de anos de discussão da matéria no Congresso Nacional. Quais as razões dessas mudanças? São muitos os interesses imbricados nessa seara. Há, como vimos, interesses propriamente econômicos dos grandes grupos educacionais e do mercado editorial. Mas há também, e sobretudo, a motivação política e ideológica neoliberal que tem uma concepção funcionalista e gerencial da educação. Longe de promover conhecimento para a cidadania e estimular a sensibilidade para as artes, o questionamento e o pensamento crítico, o objetivo da reforma é formar mão de obra (barata) e, quando muito, formar sujeitos empreendedores.
Infelizmente, nada de novo no front. Mais uma medida privatista, entreguista e antipovo do governo. Um direito a menos. Mais uma dimensão da vida mercantilizada.
Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)