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O modo mais eficaz de defender o projeto de governo da esquerda e centro-esquerda é comparando as gestões do PT com as de FHC e Temer

Nestas eleições, os partidos de esquerda e centro-esquerda, assim como os movimentos sociais, terão quíntuplo desafio: debater o conteúdo das propostas ou projetos presidenciais; disputar narrativas sobre esses conteúdos; enfrentar o debate ético-moral; apontar fontes para a escolha de candidatos; e contestar os articulistas do poder econômico.

Esses desafios, complexos por si sós, são ainda mais difíceis de ser enfrentados em face do pouco tempo disponível para a campanha, a insuficiência de recursos financeiros, a dispersão do eleitorado, a fragmentação do sistema político e a ausência de identidade ideológica, na maior parte das candidaturas.

No primeiro caso, precisa saber defender o projeto de proteção social frente aos projetos liberais-fiscais, para mostrar o quanto as pessoas perdem se optarem por estes últimos, que são uma continuidade do atual governo.

O modo mais eficaz de defender o projeto de governo da esquerda e centro-esquerda é comparando as gestões do Partido dos Trabalhadores com as de FHC e Temer. Para tanto, basta citar que, em pelo menos dez dos dezesseis anos de mandatos do PT no governo federal, entre 2003 e 2016, segundo o professor Reginaldo Moraes1, o país experimentou um período de grandes conquistas, como:

a) a redução de tensões sociais e de pobreza;

b) o crescimento regular de emprego e renda;

c) a baixas taxas de desemprego;

d) as oportunidades escolares crescentes;

e) os sonhos de ascensão para uma nova classe social, que passa a ser cortejada pelo comércio, bancos, seguradoras, financeiras etc.

No segundo, precisa alertar o eleitor para ficar atento à narrativa dos candidatos, pois a linguagem política permite identificar que interesses eles representam e possibilita saber quem defende o povo e quem defende o rentismo e o mercado financeiro.

Como não têm como sustentar como legítimo e ético um discurso de corte de direitos e redução dos serviços públicos, os neoliberais buscam uma linguagem que desqualifique o campo social e valorize os interesses dos rentistas e do mercado financeiro. Apontam a necessidade de “enxugamento” da máquina pública, sem, contudo, dizer claramente o que isso representa em termos de desmonte dos serviços públicos, redução do acesso à saúde, educação, previdência, assistência social e outros direitos sociais.

Um exemplo: o projeto de estado social, liderado pelos partidos de esquerda e centro-esquerda, que garante direitos e políticas públicas para os mais pobres, é adjetivado pelos neoliberais como um programa populista, que oferece soluções fáceis para problemas difíceis, enquanto o projeto liberal-fiscal, a serviço dos interesses do mercado, é apresentado como fundado na razoabilidade, no equilíbrio das contas públicas e na necessidade de reformas.

No terceiro, pode e deve enfrentar o debate ético-moral, mostrando que nesse período dos governos do PT houve a redução da cultura do segredo e grandes avanços no “sistema de integridade”, como reconhecido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico(OCDE) em seu relatório OECD Integrity Review of Brazil – Managing Risks for a Cleaner Public Service, de novembro de 2012, com a ampliação da transparência na relação do Estado com a sociedade e com o mercado, bem como a valorização dos órgãos de fiscalização e controle.

De fato, no campo da transparência e do combate à corrupção – além do empoderamento dos órgãos de fiscalização e controle, que ganharam autonomia operacional –, o governo do PT apoiou ou sancionou um conjunto de leis, sem as quais seria impossível identificar, denunciar e punir os assaltantes dos cofres públicos, assim como realizar operações como a Lava-Jato da Polícia Federal.

Estão entre essas leis, todas incorporadas ao ordenamento jurídico nos últimos dez anos, as seguintes: 1. Lei da Transparência (Lei Complementar nº 131/2009, conhecida como Lei Capiberibe); 2. Lei de Captação de Sufrágio, que aceita a evidência do dolo para efeito de cassação de registro e de mandato (Lei nº 12.034/2009); 3. Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010); 4. Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011); 5. Atualização da Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro (Lei nº 12.683/2011); 6. Lei de Conflito de Interesses (Lei nº 12.813/2013); 7. Lei de Responsabilização da Pessoa Jurídica, ou Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013); 8. Lei da Delação Premiada, ou a lei que trata de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013); e 9. Emenda Constitucional do voto aberto na cassação de mandatos e apreciação de vetos (E. C. nº 76/2013).

No quarto, deve exortar o eleitor para prestar atenção no método adotado pelos candidatos às eleições gerais, entre os quais aquele que defende o Estado penal.

Por exemplo, o método adotado por Jair Bolsonaro para sensibilizar potenciais eleitores consiste em apontar problemas (criminalidade, corrupção, desemprego), indicar os supostos culpados (a esquerda, os comunistas, os malandros e corruptos), e sugerir uma suposta solução (a punição, no caso a repressão, o encarceramento, o corte de direitos e serviços públicos etc.), numa construção que denota causa e efeito. Isso é truque e precisa ser denunciado.

Já candidatos orientados pelo rentismo, como João Amoedo, defendem a tese do Estado Mínimo, a pretexto de assegurar a liberdade de escolha e combater a corrupção. O mercado, nessa concepção, substitui integralmente o Estado na provisão de serviços públicos, e tudo se coloca sob a perspectiva de uma pretensa “eficiência” do mercado em alocar bens e serviços, desconhecendo as desigualdades regionais, sociais e de renda existentes no país.

Nunca se deve votar apenas por coincidência de diagnóstico. Deve-se sempre perguntar que política ou medida o candidato propõe para resolver o problema que apresenta para justificar o voto nele. Na maioria das vezes a coincidência fica apenas no diagnóstico, já que a solução que o candidato propõe, em geral, é diferente da desejada pelo cidadão que é atingido por aquele problema apontado.

No quinto caso, deve-se alertar o eleitor para as fontes que recomendam candidatos. Enquanto não se cria um ranking com base nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, só se deve confiar na indicação de organizações sérias da sociedade civil, como sindicatos, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), as ONGs de direitos humanos, os partidos de esquerda etc.

Estão surgindo muitos portais, financiados pelo poder econômico, recomendando como “bons” apenas os parlamentares a serviço do mercado financeiro e dos rentistas, que, invariavelmente, votam contra o povo.

O portal “ranking dos políticos”, por exemplo, apresenta como os melhores parlamentares aqueles que votaram a favor da reforma trabalhista e da PEC do congelamento do gasto público, entre outras matérias contra o povo, enquanto senadores como Paulo Paim, cuja trajetória se confunde com o combate às desigualdades, estão classificados entre os piores. Isso é fraude.

Outro portal, “tchauqueridos.net”, por sua vez, está a serviço do mercado e do movimento moralista-justiceiro, na medida em que considera como positivo o voto a favor da agenda do golpe, como o congelamento do gasto público, o fim da contribuição sindical, e condena o voto contra o fundo eleitoral, contra o impeachment da presidenta Dilma e contra os excessos dos órgãos de controle.

Nesse diapasão de enganar os incautos, os articulistas do mercado e de setores da nova direita brasileira ou do “centro” ultraliberal já perderam a compostura e passaram a dizer abertamente que não se pode eleger um candidato de esquerda ou centro-esquerda, porque isso significaria ruptura, numa narrativa que assusta os eleitores incautos.

Nesse contexto, todo cuidado é pouco neste momento. Se os partidos e os movimentos sociais não chamarem a atenção para essas formas de abordagem, o eleitor poderá estar elegendo seu algoz como seu representante.

É preciso evitar os erros do passado, caso o PT volte ao poder. Em primeiro lugar, dando conhecimento à população de suas iniciativas em favor do povo, para não ficar a impressão de que essas conquistas eram produto de geração espontânea, ou seja, qualquer governo, independentemente de sua ideologia e visão de mundo, faria o mesmo.

A política para recuperar o serviço público, sucateado nos anos FHC, precisa ser resgatada e destacada: não foram atos de “geração espontânea” a realização sistemática de concursos no governo Lula ou a recuperação das perdas salariais, ambas promovidas sem descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Essas conquistas dos servidores, com respeito ao diálogo e negociação, no entanto, são facilmente esquecidas em um contexto de manipulação midiática e radicalização como o que vemos hoje.

É tanto que muitos dos que foram às ruas a favor do processo de impeachment eram beneficiários de programas sociais e não sabiam que o combate à corrupção só se tornou possível porque o governo ampliou a transparência na relação dos agentes econômicos com o Estado, coisa que não existia antes. Muitos servidores públicos, até mesmo os das “carreiras exclusivas de Estado”, que foram fortalecidas como nunca nos governos do PT, aderiram a essa visão equivocada.

Em segundo, não deixar de promover as reformas estruturais no sentido da determinação das regras do jogo, como as reformas políticas e do sistema representativo, da educação, tributária, agrária e dos meios de comunicação. Essas reformas são fundamentais para operar as transformações de formação do poder.

Contudo, há que se buscar, também, não apenas uma reconciliação com o discurso pela ética na política e na gestão que sempre foi a marca do PT, como também renovar os quadros dirigentes. Um novo governo petista precisa buscar, no seu seio, nomes que não estejam vinculados a qualquer suspeita de condutas impróprias, com capacidade de formulação e realização, e comprometidos com as diretrizes do programa de governo.

Os desafios estão postos. Com consistência, humildade e abordagem didática é possível superar os cinco desafios e demonstrar que, quando se compara e se foge da armadilha do gatilho mental automático, fica claro para o eleitor o real interesse da narrativa das forças conservadoras: manipular a população para implementar um projeto contrário aos interesses do povo.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap