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É inevitável o paralelo entre o vínculo da mídia com os escândalos políticos e a espetacularização midiática em torno de certo tipo de criminoso e de crime

John B. Thompson mostrou em seu Political Scandal (original 2000) que sem a mídia não existiriam os “escândalos políticos” contemporâneos. Eles envolvem as ações e interações ligadas à aquisição ou ao exercício do poder político através do uso do poder simbólico, isto é, da capacidade de criar acontecimentos por meio da produção e transmissão de formas simbólicas. A mídia é a principal construtora de capital simbólico, exatamente, o que está em jogo num escândalo político midiático. Ela se tornou a arena decisiva na qual as reputações são criadas, sustentadas e, ocasionalmente, destruídas, passando, portanto, a ser parte constitutiva do próprio escândalo.

O controle e a dinâmica dos escândalos se deslocam dos atores envolvidos para os jornalistas e para a própria mídia. Prevalece na cobertura jornalística uma lógica segundo a qual o que importa é saber quem – jornalista ou empresa de mídia – está na frente de quem, quem consegue avançar com novas denúncias e, mais importante, quem garante a mobilização permanente da audiência.

É inevitável, portanto, o paralelo entre o vínculo da mídia com os escândalos políticos e a espetacularização midiática em torno de certo tipo de criminoso e de crime.

Há um tipo de criminoso que depende da cobertura da mídia para o sucesso de sua ação. Ele se inspira na “cultura da violência e do sucesso a qualquer custo” – patrocinada 24 horas, sobretudo, mas não somente, pela televisão –, onde todo tipo de violência é celebrado e não há lugar para o fracasso ou a rejeição. O criminoso se nutre ainda da certeza de que será transformado instantaneamente em celebridade disputada por microfones e câmeras, em função da espetacularização midiática.

O psicanalista e professor Renato Mezan perguntou no caderno Mais da Folha de S.Paulo (26/10/2008): “A espetacularização de situações como essa (do seqüestro de Santo André) não acirra ainda mais as forças psíquicas que se podem supor em ação na mente de um criminoso?” E concluiu que “as emissoras (de televisão) precisam rever sua idéia do que é informar: a busca insensata dos picos de audiência as levou a se tornar cúmplices involuntárias de um assassinato”. Já o professor Norval Batista Júnior afirmou que “a mídia exacerbou a psicopatia e a megalomania que estavam em jogo”.

A lógica que domina a mídia privada transforma o sucesso de mercado em condição única para a sobrevivência empresarial e provoca conseqüências perversas para o conjunto da sociedade. Já se disse, corretamente, que não foram nem a mídia nem a ação da polícia que mataram Eloá e feriram Nayara, em Santo André. Foi Lindembergue quem praticou o seqüestro e deu os tiros assassinos. Essa é uma parte da verdade. Não há, todavia, como ignorar as responsabilidades diretas e indiretas da cobertura jornalística e da mídia no episódio – e em vários outros semelhantes.

O alcance e o significado dos vínculos midiáticos com a cultura da violência e do sucesso certamente vão além do debate em torno dos princípios da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, até aqui os limites evocados quando se discutem questões que envolvem coberturas jornalísticas e o conteúdo da mídia. Não se pode mais adiar a institucionalização de algum tipo de mecanismo de controle democrático e de responsabilização legal das coberturas jornalísticas em episódios como o seqüestro de Santo André.

Mais cedo ou mais tarde, outros seqüestros ocorrerão. Continuaremos a assistir passivamente e impotentes à cumplicidade do triste espetáculo midiático que quase sempre termina em tragédia e, como um interminável círculo vicioso, alimenta outras mentes criminosas e outras tragédias?

Venício A. de Lima, sociólogo e jornalista, autor/organizador de A Mídia nas Eleições de 2006, Editora Fundação Perseu Abramo, 2007