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Aumento da violência e dos assassinatos no campo, no caso da juventude rural, assim como as mulheres e os povos e comunidades tradicionais, não é exagero dizer que é tema por completo ausente da agenda governamental

A cidade de Picos (PI) sediou entre os dias 5 e 7 de abril o II Encontro de Jovens Rurais do Semiárido. Estiveram reunidos no Instituto Federal do Piauí (IFPI), campus Picos, em torno de quatrocentos jovens de seis estados do Nordeste: Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe. O eixo principal do encontro foi discutir os desafios relativos à sucessão rural, em especial no que diz respeito à convivência com o semiárido. Os jovens presentes integram a rede de projetos apoiados pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) e pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), entidades apoiadoras do encontro, realizado pelo governo do Piauí, por meio da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural e da Coordenadoria da Juventude do Estado do Piauí.

A realização do evento em Picos deu sequência ao I Encontro de Jovens Rurais do Semiárido, ocorrido em Campina Grande (PB) em janeiro de 2016. Realizado na esteira da etapa nacional da 3ª Conferência Nacional de Juventude, o encontro de Campina Grande também discutiu questões relativas à sucessão rural e reuniu contribuições para o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, que viria a ser lançado por meio do Decreto 8.736, assinado em 3 de maio de 2016 pela Presidenta Dilma Rousseff.

Muita coisa mudou entre o primeiro e o segundo encontros. O Ministério do Desenvolvimento Agrário, que coordenou a elaboração do plano, foi extinto em 12 de maio daquele ano, primeiro dia do governo Michel Temer, quando este ainda era presidente interino. De lá para cá, só vimos retrocessos no que diz respeito à questão agrária no país. Políticas públicas oficialmente extintas ou desidratadas – mortas por inanição, sem recursos e pessoal –, outras tantas com mudanças de rumo político. Aumento da violência e dos assassinatos no campo. No caso da juventude rural – assim como as mulheres e os povos e comunidades tradicionais – não é exagero dizer que são temas por completo ausentes da agenda governamental desde então. No entanto, apesar disso, entendemos que o lançamento do Plano de Juventude e Sucessão Rural foi uma conquista importante das juventudes do campo, das florestas e das águas de todo o país. Não apenas por ter sido, desde o início, elaborado de forma participativa e conjunta entre governo federal e os movimentos de juventude rural, mas sobretudo porque colocou definitivamente o tema na agenda pública. O Plano Nacional gerou sementes, dentre elas o Plano Estadual de Juventude e Sucessão Rural de Minas Gerais lançado em dezembro de 2018, e o projeto de Lei n. 9.263/2017 que visa instituir o plano e a Política Nacional de Juventude e Sucessão Rural, de autoria de seis deputados federais do Partido dos Trabalhadores.

A permanência das juventudes no campo deixou de ser vista como uma questão de escolha pessoal de cada jovem rural. O plano, portanto, expressa o reconhecimento do Estado de que este tem um papel a cumprir e deve ofertar as condições para que jovens, mulheres e homens, possam permanecer no campo com dignidade e oportunidades. Está em jogo a continuidade de um modo de vida particular, com tradições, culturas e formas de produzir; ao mesmo tempo em que se destaca o papel das juventudes na transformação dos espaços rurais. Ao invés de conflituoso, o par continuidade e descontinuidade expressa a combinação dos desafios relativos à sucessão, cujos impactos, diga-se de passagem, afetam não apenas as/os jovens em si, mas toda a população brasileira. Isso porque estamos tratando dos direitos de quem vive no campo, mas também porque o êxodo rural da juventude compromete nossa soberania e segurança alimentar, reforça o inchaço das cidades e coloca em xeque nosso próprio modelo de desenvolvimento. Foi com vistas ao enfrentamento destas e de outras questões afeitas às juventudes do campo, das florestas e das águas que o plano veio a ser elaborado e estruturado em cinco eixos: Acesso à terra; Trabalho e renda; Educação do campo; Qualidade de vida; e Participação, comunicação e democracia.

No encontro de Picos, o tema da sucessão foi debatido a partir de várias óticas. O teólogo Leonardo Boff proferiu a palestra inicial de sábado, dando a dimensão dos desafios de nossa relação com a terra. Terra como fonte da vida, guardiã das águas e demais riquezas naturais, planeta Terra, nossa casa comum, a mãe Terra, Pachamama. Logo em seguida, nos distribuímos em quatorze oficinas temáticas, dentre elas juventude indígena; quilombola; agroecologia e quintais produtivos; gastrotinga (gastronomia da caatinga); jovens comunicadores; mulheres jovens; organização das juventudes do campo; e grafite é arte. No domingo, dia 7, foram realizadas três plenárias com os temas i) Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural: os novos rumos da Política Pública de Juventude do Campo; ii) Juventude, relações de gênero e diversidade sexual; e iii) Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável: alternativas de trabalho para a juventude rural. Ao final, foi entregue a carta política do encontro (Carta das Juventudes Rurais do Semiárido Brasileiro), que manifesta as demandas e perspectivas das juventudes presentes para o próximo período. Para fechar, uma noite cultural ao som de Pamela Lima, jovem sanfoneira piauiense.

No semiárido a vida pulsa, no semiárido a gente resiste!”. Entoado diversas vezes ao longo dos três dias de reunião, esse verso me soou como o retrato da força e da esperança ali presentes. Como bem lembrou Boff, Santo Agostinho dizia que a esperança tem duas irmãs, a indignação e a coragem. Senti ambas bem vivas ali em Picos, no coração de cada jovem nordestino ali presente, em cada grito de “Lula Livre” naquele 7 de abril que marcava um ano da prisão do conterrâneo nordestino daqueles jovens, do presidente que mais investiu e acreditou no povo brasileiro e que mudou a cara do Nordeste.

Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)