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Honraremos a memória de Marcelo Arruda indo à luta e ganhando as eleições, para recuperar os direitos subtraídos do nosso povo, pela distribuição de renda, pelo emprego

Nesse ambiente, cabe sempre lembrar

que a ciência sozinha não redime, sem

o controle de seu sentido. Os meios de

comunicação tampouco trazem por si

uma amizade redentora, capaz de

enfrentar as tiranias. Precisamos sim,

em meio a um tecido em que proliferam

agressões e formas ainda mais sutis e

invasivas de dominação, constituir

medidas fortes de amparo e proteção

da sociabilidade. (SALLES, João Carlos.

Ernst Cassirer e o Nazismo: e outros textos

sobre a proximidade do mal / João Carlos

Salles. – 1. ed. – São Paulo: Noir Editora, 2022)

Foi um péssimo domingo, 10 de jullho de 2022.

Amanhecer com sangue derramado.

Sangue de um companheiro: Marcelo Aloizio de Arruda, militante petista assassinado por um bolsonarista.

O sujeito armado, cheio de ira, é consequência direta do clima alimentado pelo atual presidente – clima de ódio, de intolerância, de aversão à democracia, de ojeriza à diversidade, de combate à política como meio civilizatório, à eleição tão próxima de nós.

Não há como ignorar a responsabilidade do presidente da República por esse crime e por esse clima de intolerância construído cotidianamente no país, pela tentativa constante de constituir inimigos a serem liquidados.

Nunca foi metáfora a ideia de liquidar inimigos. A nota dele diante do assassinato é um escárnio. Ele persiste.

O filho, deputado federal, comemora aniversário, no dia seguinte à morte de Arruda, com um bolo com decoração em formato de arma de fogo.

É uma família a propagar o ódio de armas na mão, incapaz de qualquer sentimento de compaixão.

Imagino a dor da mulher de Arruda, dos familiares, dos filhos. A dor dos companheiros de militância – é, ele era um militante do Partido dos Trabalhadores. A dor da cidade, a demonstrar o carinho levando-o ao túmulo na tarde de uma triste segunda-feira, multidão em lágrimas. A dor de todos nós, do PT. De todos, todas cuja convicção democrática seja verdadeira, de quaisquer partidos, ou de partido nenhum.

Temos a responsabilidade de tirar ao menos um véu a encobrir essa conjuntura. Véu a tentar estabelecer equivalência entre a candidatura de Lula e a do atual presidente na produção do ódio. Esse discurso, tão irreal, a depender de quem venha, pode pretender anistiar o ocupante do Palácio do Planalto de toda palavra em favor do ódio, a propagar o uso de armas abertamente, como pode tentar buscar caminhos para se por como alternativa na disputa eleitoral.

Lula, os aliados todos, a esquerda e a centro-esquerda, têm procurado alimentar a paz, a convivência, a boa política, apresentando tão somente um projeto político diverso, capaz de resolver os angustiantes problemas do povo brasileiro, causados pelo atual governo desde 2019.

Não há, da parte de Lula e dos aliados dele, qualquer frase de propagação do ódio.

Só há, portanto, um lado intolerante. Não há dois.

Nunca, de Lula, se terá ouvido qualquer condenação às eleições, ao contrário.

Da parte do atual presidente, diariamente, há a condenação das eleições, e o anúncio, sem muitas reservas, da possibilidade de um golpe.

E o grave, nessa conturbada conjuntura, é a conivência das Forças Armadas, cujo discurso alimenta continuamente a desconfiança face ao processo eleitoral.

A mídia não conseguiu entender isso. Melhor, tem outra compreensão, a revelar seus nítidos interesses de classe. Falo aqui da grande mídia empresarial. Só começou a cobrir o assassinato depois de os blogs progressistas botarem a boca no mundo, e quando o fez nunca dizia claramente ter sido um bolsonarista o assassino.

Cheia de dúvidas. E não era possível qualquer dúvida.

Jorge José da Rocha Guaranho matou em nome do presidente. Jornalismo requer ouvir, cobrir, tentar saber do ocorrido. E se o fizesse, as manchetes não podiam fugir da evidência: o crime fora cometido por um militante bolsonarista, cheio de ódio, disposto a matar, na linha do propagado pelo presidente, na linha do “vocês sabem o que fazer”.

A grande mídia fala de um suposto e generalizado “extremismo” – e extremismo, na conjuntura brasileira, só pode ser imputado ao atual presidente. Com isso, ela tenta inocentar o bolsonarismo e colocar Lula no mesmo patamar. Marcelo Arruda morreu pela simples razão de ser petista – disso não há como fugir. O bolsonarismo cria os inimigos, e os adeptos procura-os para matá-los. Quando invadiu o aniversário de Arruda, o assassino proclamou isso e, insisto, evocou o inspirador.

Houve momentos até de a mídia falar do episódio como “uma troca de tiros”. Não. Guaranho invadiu uma festa privada, comemoração de um aniversário, entrou atirando, gritando o nome do mito dele, e o militante petista reagiu antes de tombar, morto. A reação de Arruda, já ferido gravemente, só ocorreu porque o assassino resolveu, como dizia, matar a todos na festa.

Só na segunda-feira, talvez envergonhada diante de tanto absurdo, de tanta cumplicidade com o bolsonarismo, de tanta tentativa de bancar a isentona, é que a mídia empresarial resolveu mergulhar no assunto, revelando parte da verdade, inclusive sobre a delegada bolsonarista à frente do caso, depois afastada.

Gosto da acurada visão de Gramsci, repito-a sempre: “o velho mundo agoniza, um novo mundo tarda a nascer e, nesse claro-escuro, irrompem os monstros”. O monstro está à solta, desde 2019. Irrompeu. Quer a guerra. Disposto a tudo. Lembro aqui de livro recente, de João Carlos Salles, sobre o reitor Ernst Cassirer. O tirano, dirá o reitor da Universidade Federal da Bahia, nunca pode desejar a calmaria, a tranquilidade, “que também como um bom conhaque, suscitaria ideias e, logo sedições”. Mais importante, dirá Salles, “o tirano necessita da sombra de uma guerra”. Vive da fantasia de se apresentar como líder das guerras.

Conta, o monstro, ou o tirano, com cúmplices, abertos ou dissimulados.

Conta com aliados fortes, incapazes às vezes de apresentarem-se como tais, e acabamos de falar da mídia empresarial, animal político com dificuldade de esconder o próprio rabo, oscilando entre uma inexistente terceira via e o próprio bolsonarismo. E há uma razoável parcela da população, de índole conservadora, seduzida pelo tirano.

O risco, diante dessa atmosfera de guerra, dessa proclamação de valer-se de armas, é a implantação de uma clima de medo. Volto ainda ao livro de Salles. “Por necessitar de guerras e conflitos, [o tirano] alimentaria também em nós algum medo”.

Precaver-se contra o medo, seriamente.

Não deixar se amedrontar.

O medo nunca é bom conselheiro.

Chamar o povo às ruas.

Serenamente.

Para a disputa em torno do destino do Brasil. Para eleger Lula e iniciar o processo de reconstrução do país.

Dessa maneira, indo à luta para a recuperação dos direitos subtraídos do nosso povo, para a distribuição de renda, para o emprego, saberemos então honrar a memória de Arruda.

Será a melhor maneira de honrar a coragem dele, dar sentido a uma vida inteira de dedicação ao nosso povo.

Nossa resposta a esse clima de ódio e intolerância, construído pelo monstro, será ir à luta, ganhar as ruas durante a campanha eleitoral, multidões enchendo as praças, caminhando e cantando, em paz, determinadas.

Essa é a melhor forma de estancar a violência, evitar mais derramamento de sangue. Ganhando as eleições, vamos começar outra história em nosso país: de liberdade, de paz, e de melhoria de condições de vida para todo nosso povo.

Emiliano José é jornalista e escritor, autor de Lamarca: O Capitão da Guerrilha com Oldack de Miranda, Carlos Marighella: O Inimigo Número Um da Ditadura Militar, Waldir Pires – Biografia (2 vol.), entre outros