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É preciso cobrar os governantes sobre o uso dos recursos e questionar a desculpa esfarrapada que faltam recursos quando não cumprem as promessas eleitorais

Recursos – A política no setor público é dominada pela falta de cumprimento por parte dos governantes (presidente, governador e prefeito) das promessas de campanha.

Quando cobrados pela ausência de resultados costumam se esquivar colocando a culpa na falta de recursos. Prefeitos acusam o governo federal e estadual e os governadores, o governo federal, de não transferirem os recursos de que necessitariam. É sempre a mesma história com personagens diversos em todos os partidos.

Será que vale essa desculpa? Às vezes sim. Mas será que parte dos recursos não pode advir da boa gestão das receitas (combate à sonegação) e despesas (pessoal e contratos com preços superfaturados) sob responsabilidade direta do governante? Não só pode vir daí, com não faltam exemplos de iniciativas exitosas na administração pública.

Entre as despesas passíveis de gestão merecem destaque as relativas a serviços de terceiros, contratados normalmente por valores elevados que por vezes se aproximam ou até superam no conjunto a despesa de pessoal da prefeitura ou do estado.

No caso das prefeituras o destaque é para a conta da limpeza urbana (coleta de lixo e varrição das vias) e o subsídio ao transporte coletivo, quando existir. São duas áreas que costumam liderar as contribuições às campanhas de prefeitos e vereadores e, assim, conseguem bons retornos financeiros.

Tarifa do transporte – Exemplo emblemático é a tarifa do transporte coletivo fixada pelos prefeitos que a população usuária é obrigada a pagar. Será que antes de reajustá-la é feita a auditoria de custos e de receitas sobre as empresas operadoras? Em caso afirmativo, foi dada transparência dos resultados para os usuários que pagam essa tarifa? No caso de subsídio dado às empresas, foi levado em conta no orçamento o resultado da auditoria? São pequenos exemplos de cuidado do governante com a população que pagam os tributos ou os preços públicos dos serviços recebidos (educação, saúde, transporte, lazer etc.).

1ª medida – A primeira medida do início de mandato de todo governante que quer gerir com competência e ética o recurso público é promover auditoria técnica e financeira sobre os principais contratos mantidos com a iniciativa privada, bem como lhes dar transparência. Caso não faça isso, carece de sentido qualquer tentativa de elevar tributos sob sua responsabilidade.

É comum o governante querer elevar a carga tributária sobre a população no início do mandato, sem antes conquistar o reconhecimento público das ações empreendidas.

Isto vale para todo e qualquer governante: faça a gestão competente das despesas e direcione-as claramente para os setores mais carentes da sociedade. O respeito pelo dinheiro público é pré-condição da ação governamental. Nesse sentido é lamentável que na discussão da questão fiscal no país o foco seja deslocado para o resultado primário (receitas menos despesas, exclusive financeiras), passando ao largo das questões mencionadas.

Resultado fiscal – A questão fiscal diz respeito ao comportamento das receitas, despesas, resultado (diferença entre receitas e despesas) e dívidas. Infelizmente, a maior parte das análises foca apenas o resultado primário, como se as despesas com juros não pesassem no resultado fiscal ou porque devem ser tratadas como reflexo de outras políticas, como a monetária praticada pelo Banco Central para controlar a inflação.

Ora, em qualquer lugar do mundo, o resultado fiscal inclui todas as receitas e todas as despesas, incluindo os juros. Os juros das contas públicas oscilam entre 1% e 2% do Produto Interno Bruto. No Brasil, estão em 5%, tendo sido muito mais elevados no passado. Assim, parte importante dos recursos entregues ao governo é desviada para o lucro do setor financeiro e dos rentistas.

Isso, por si só, levaria a indagar o porquê da prática de ignorar o impacto do componente financeiro nas avaliações fiscais da maioria das análises. A resposta é que predomina nessas análises a visão do mercado financeiro, para o qual não interessa o foco nos juros como despesa. E, espertamente, deslocam-no para o resultado primário.

Mas por que não interessa o foco nos juros para o mercado financeiro? Porque é sua mais importante fonte de lucro nos ganhos originados de aplicações nos títulos do governo federal. É governo federal arbitrando contra si os juros que quer pagar ao mercado financeiro.

Quando a Selic baixou para seu mínimo histórico de 7,25%, os lucros das grandes empresas foram reduzidos de forma expressiva.
Mas quem paga essa conta dos juros na casa de 5% do PIB? Todos nós, que pagamos os tributos ao governo federal, seja no imposto de renda, no IPI que eleva o preço dos bens produzidos, no PIS e Cofins das vendas etc.

Mas por que o governo federal que é o único devedor dos títulos onerados pela Selic mantém essa taxa de juro elevada em comparação com outros países e, assim, joga contra si próprio e piora o resultado fiscal? Porque acredita ser a melhor forma de controlar a inflação. E daí acabou a discussão, e cabe ao governo tentar produzir elevado superávit primário para pagar parte dos juros que decorrem da dívida que é submetida a essa elevada taxa.

Vale observar que essas análises culpam a expansão das despesas do governo federal como a causadora da inflação e, assim, para compensar o Banco Central deve elevar a Selic. Ocorre que a maior expansão das despesas do governo federal naquilo que pode ser administrado fiscalmente é exatamente com os juros. E o responsável principal pela expansão passível de ser administrada é o BC. É semelhante ao caso do ladrão que após se satisfazer do roubo (elevar a Selic) sai da casa roubada correndo e gritando “pega ladrão” (expansão fiscal causada pela Selic).

Além dessa questão do foco no resultado primário, note-se que nem sempre o melhor resultado primário leva ao melhor resultado fiscal. Assim, entre 2002 e 2012, o melhor resultado primário foi em 2005, quando chegou a 3,8% do PIB, e o pior em 2009, com 2% do PIB. No entanto, apesar do maior resultado primário de 2005, o déficit fiscal daquele ano atingiu 3,6% do PIB, contra déficit fiscal menor em 2009, com 3,3% do PIB. A explicação está nos juros, que em 2005 atingiram 7,4% do PIB, contra 5,3% do PIB em 2009.

O mesmo ocorre quando se compara o segundo melhor resultado primário, ocorrido em 2004, com o segundo pior resultado primário ocorrido em 2012. Ou seja, já passou da hora de as análises pararem de colocar foco no resultado primário e passarem a encarar o resultado fiscal, como fazem todos os países. E mais: começarem a considerar o impacto fiscal da política monetária transmitido pela prática da Selic elevada.

A explicação dos juros elevados em 2004 e 2005 em comparação com os que vigoraram em 2009 e 2012 está na Selic. Em 2004 (16,4%), em 2005 (19,1%), em 2009 (10,1%) e em 2012 (8,6%). Felizmente, apesar de tanto tempo perdido, há tendência de queda da Selic. No primeiro mandato de FHC girou em torno de 25% e depois, lentamente, foi baixando quase de forma linear para se encontrar agora em 10%.

Como mencionado, compõem a avaliação fiscal as receitas e as despesas, seus comportamentos, composição, gestão, quem paga a receita, para onde se destinam as despesas. São aspectos relevantes e obrigatórios em qualquer avaliação fiscal.

Sobre cada um desses itens vale discorrer e apresentar as diferentes visões. Não basta dizer que as despesas cresceram ou encolheram em relação a qualquer referência. É necessário ir além, muito além, para informar a todos que se interessam por acompanhar e cobrar das autoridades os compromissos que assumiram nas campanhas eleitorais.

Como o maior peso dos tributos recai sobre as classes de menor renda, com mais razão é preciso cobrar dos governantes explicações sobre o uso dos recursos e questionar a desculpa esfarrapada que costumam dar – falta de recursos – quando não cumprem as promessas feitas em campanhas eleitorais, sem que nada demonstrem do uso eficiente que deles fizeram na boa gestão das despesas, normalmente engordadas pela falta de controle e de auditoria sobre as empresas que prestam serviços ao governo. É o caso das concessões nas privatizações nos modais de transporte (rodoviário, ferroviário, portuário e aeroportuário), nas tarifas de água e esgoto, no transporte coletivo, na limpeza urbana, entre outras.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor