Colunas | Café no Congresso

A presidenta Dilma, em hipótese alguma, aceitará chantagem e incompetência ou deixará que seu governo se desvie dos princípios republicanos

No presidencialismo de coalizão, como o brasileiro, a governabilidade é “construída” a partir de uma aliança de partidos, da qual, em geral, participam agremiações sem identidade ideológica com o programa de governo aprovado nas urnas.

Isso ocorre porque no Brasil nenhum partido, isoladamente – e até a soma das bancadas dos partidos do presidente e de seu vice, na hipótese de coligação –, consegue reunir maioria para aprovação do programa de governo no Congresso.

Os partidos com vínculos ideológicos e programáticos, ainda que divirjam de uma ou outra medida, sustentam politicamente o governo sem maiores exigências, exceto a fidelidade ao ideário aprovado nas urnas.

Já os partidos sem vínculos programáticos condicionam o apoio à ocupação de cargos no governo, à liberação de recursos do orçamento, por convênio ou mediante liberação de emendas, e, eventualmente, à efetiva participação no conteúdo das políticas públicas produzidas pela administração.

É comum os partidos reclamarem espaço no governo de modo desproporcional à sua importância para a eleição e também para a governabilidade e, eventualmente, indicarem pessoas sem qualificação ou com problema de ordem ético-moral para a ocupação de cargos que, por vezes, precisam ser substituídas, seja por ineficiência ou malfeitos.

O governo da presidenta Dilma Rousseff não foge à regra. Embora desde a redemocratização, ela seja a presidente com maior sustentação no Congresso, formalmente ultrapassa dois terços, sempre terá de administrar insatisfações nos partidos da base. Algumas vezes por ação da presidenta, como no caso de demissões de ministros e de autoridades do segundo escalão, outras vezes por falta de apoio do ministro no seu próprio partido ou, ainda, por disputa por espaço e poder entre os partidos da base, inclusive com o chamado fogo-amigo, com denúncias anônimas.

O grau de insatisfação, que é real, entretanto, ainda não chegou a ponto de acuar o governo, como por exemplo, subscrevendo comissões parlamentares de inquéritos (CPIs) que exponham a gestão da presidenta ou rejeitando matéria essencial para o Palácio do Planalto.

As pressões e cobranças – seja de atenção, de espaço no governo ou de liberação de recursos do orçamento – têm sido administradas e não comprometeram o desempenho do governo nas principais votações. Mas, caso as reivindicações não sejam atendidas, ainda que parcialmente, o governo poderá ter dificuldades, especialmente na votação da Proposta de Emenda à Constituição que prorroga a Desvinculação de Recursos da União (DRU).

A vantagem do governo, de um lado, é que conta com o apoio da opinião pública para as medidas adotadas, além de possuir reais perspectivas de continuar no poder no futuro, e, de outro, porque os partidos insatisfeitos, notadamente o Partido da República (PR), não têm vontade nem vocação para ser oposição, especialmente neste momento em que agremiações como o Partido Verde (PV), atualmente independente, deseja entrar para a base de sustentação do governo e o Partido da Social-Democracia (PSD), que nasce com mais de quarenta deputados, pretende apoiar a presidenta Dilma.

Como disse recentemente a presidenta Dilma, “são os ossos do ofício”. Ou seja qualquer que venha a ser o governante ou partido no poder, com esse modelo de presidencialismo, não há como fugir desses problemas e disputas. O que não pode ocorrer é o governo transigir em aspectos éticos ou ser condescendente com corrupção ou desvio de conduta. E a presidenta Dilma, a julgar por sua trajetória de vida, não aceitará chantagem nem incompetência.

A presidenta fará o que for necessário para manter a base unida e assegurar maioria para aprovar seu programa de governo, com democracia e estabilidade econômica, especialmente o combate à miséria e os investimentos em educação, inovação e infraestrutura. Mas, em hipótese alguma, deixará que seu governo se desvie dos princípios republicanos.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de documentação do Diap