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Em agosto de 2010, antes da campanha eleitoral na TV e no rádio, não sabiam que Dilma era a candidata de Lula

Em agosto de 2010, antes da campanha eleitoral na TV e no rádio, uma entre três eleitoras e um entre cinco eleitores não sabiam que Dilma era a candidata de Lula. Ainda assim, já despontavam como principais argumentos para a escolha da então candidata a ideia de “dar continuidade ao governo Lula” (espontaneamente citada por 33% de suas eleitoras e por 62% de seus eleitores) e o fato de ser indicada por ele (citado por 29% e por 30%, respectivamente).

Esse “voto retrospectivo” teve clara natureza classista, fruto das políticas sociais e econômicas do governo Lula. Em pesquisa após o primeiro turno, na qual 41% disseram ter votado em Dilma, 29% em Serra e 20% em Marina (o resultado oficial fora, na ordem, 43%, 30% e 17%), o voto declarado em Dilma variava de 48% na metade do eleitorado com renda familiar até dois salários mínimos (SM) a 26% na “elite” com renda superior a cinco SM; inversamente, Serra e Marina apresentavam eleitorado crescente quanto maior a renda (Serra de 28% a 37%, Marina de 15% a 27%). Para o segundo turno, no momento em que Dilma vencia Serra por 49% a 43% (as urnas dariam 52% a 41%), a intenção de voto em Dilma variava de 56% a 36%, nos mesmos segmentos, e em Serra ia de 39% a 52%.

Mas, ainda que esse fator tenha sido o principal determinante para a vitória de Dilma, as duas pesquisas nacionais referentes a esses percentuais – Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, parceria da Fundação Perseu Abramo com o Sesc, feita antes do primeiro turno; e Indígenas no Brasil, Percepções da Opinião Pública, entre o primeiro e o segundo turno, parceria da FPA com a Rosa Luxemburg Stiftung – indicam que outros componentes tiveram papel relevante no desfecho da eleição.

Em agosto, apenas 11% das eleitoras e 8% dos eleitores com intenção de voto em Dilma justificavam sua escolha em função do partido, mas Dilma tinha a intenção de voto de 67% do eleitorado com simpatia pelo PT (um quarto do total, o mesmo patamar observado após a queda e recuperação da crise de 2005). Em outubro, 72% do contingente “petista” declarou ter votado em Dilma no primeiro turno – metade de seus votos – e 82% manifestava intenção de voto em seu favor no segundo turno. Já a intenção de voto em Dilma “porque ela é mulher” contava apenas com 5% de seus eleitores, mas 22% de suas eleitoras. Em outubro, disseram ter votado nela no primeiro turno, pela mesma razão, respectivamente 4% e 9%.

A julgar pelo destaque que, desde a posse, Dilma tem dado à simbologia de uma mulher chegar à Presidência e pela celeridade com que vem sinalizando a ampliação de políticas de gênero – como o lançamento da Rede Cegonha e a ampliação da rede de creches públicas –, ao que parece há espaço para um avanço considerável no combate às graves manifestações da discriminação das mulheres (a depender, sempre, da força dos movimentos sociais).

Já no segmento petista do eleitorado chama a atenção que quase metade (46%) afirme que passou a simpatizar com o PT em tempos recentes, sobretudo na última década, ou após o primeiro governo Lula (28%). Em que pese o potencial de renovação dos quadros partidários, trata-se ao mesmo tempo de uma parcela não organizada da população, que tende a reproduzir o déficit de participação política que tem caracterizado a democracia brasileira.

Em tempos de reforma política seria bom avançar nestes dois pontos: na discussão de lista fechada, a exigência de que se intercale um homem e uma mulher, ou ao menos uma mulher a cada dois homens; e, no âmbito da participação, a ampliação de mecanismos de democracia semidireta (referendos, conselhos, orçamentos participativos etc.), sem o que a inclusão de cidadãos no jogo político (para além de consumidores) continuará limitada.

Gustavo Venturi é doutor em Ciência Política e professor do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP ([email protected])