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Selecionamos filmes sobre macartismo, intolerância, armamentismo, crises no capitalismo, precarização do trabalho, com a indicação da plataforma em que podem ser assistidos em casa

 Parte 5 – Anatomias do poder

Macartismo/Intolerância

Trumbo: Lista negra (2016) – dir.: Jay Roach. A caça às bruxas que imperou nos Estados Unidos no início da Guerra Fria, nos anos 1950, quando vagas suspeitas de esquerdismo e a exigência de delação de outros destruiu carreiras e provocou suicídios. Dalton Trumbo era um dos mais importantes roteiristas de Hollywood. GLOBOPLAY, TELECINEPLAY

Boa Noite e Boa Sorte (2006) – dir.: George Clooney. A história de um âncora de TV que, com rara coragem, enfrentou os direitistas, denunciando as artimanhas desonestas e ilegais do senador McCarthy, que passou a persegui-lo. YOUTUBE

O Criado (1963), O Acidente (1967) e O Mensageiro (1970) – dir.: Joseph Losey. Três clássicos de um grande diretor, realizados na Inglaterra onde se refugiou para escapar ao macartismo. Tendo por roteirista o maior dramaturgo inglês de então, Harold Pinter, os três filmes dissecam as relações de poder que subsistem nas mais corriqueiras situações.

Intolerância (1916) – dir.: D. W. Griffith. Filme épico e monumental exibe episódios de intolerância desde a Antiguidade. Nele o diretor procura responder às críticas a seu filme anterior, O Nascimento de Uma Nação, considerado como a fundação do cinema norte-americano. Mas, situando-se na Guerra da Secessão, lá está o soldado negro estuprando a branca... TELECINEPLAY, YOUTUBE

Edward Mãos de Tesoura (1990)dir.: Tim Burton. Fábula sobre a intolerância com que é tratado o outro, o diferente, o bizarro: a rejeição que suscitam e que levam à sua exclusão. Crítica ao conformismo, expresso no próspero bairro de casas iguais e arruamentos paralelos. YOUTUBE

O Destino (1997) – dir.: Youssef Chahine. O filósofo e cientista árabe Averróes na Córdoba do século 17, uma das mais civilizadas urbes do planeta e foco da ciência. Alvo da perseguição fundamentalista, culminando quando o califa manda queimar seus livros.

Armas e corrida armamentista  

Dr. Fantástico (1964) dir.: Stanley Kubrick. Em plena Guerra Fria, os contendores americanos, que se apresentavam como defensores do mundo livre, são mostrados em sua sanha assassina e namoro com a hecatombe nuclear. Tremenda sátira. LOOKE, YOUTUBE

O Senhor das Armas (2005) – dir.: Andrew Niccols. Ficção que examina passo a passo a ascensão de um mercador de armas e o alcance internacional de suas transações, com a conivência de poderes e governos. NOW, TELECINEPLAY, PRIME

Jogos do Poder (2007) – dir.: Mike Nichols. O conluio entre um congressista texano, a CIA e uma milionária resultou na compra clandestina e ilegal de mísseis Stinger, entregues aos rebeldes afegãos durante a guerra do Afeganistão com a Rússia – que, como todos sabem, bateu em retirada aparentemente inexplicável. NOW, LOOKE

Tiros em Columbine (2002) – dir.: Michael Moore. Documentário precoce sobre a onda, que então mal começava a se alastrar, de tiroteios em escolas. O mais premiado dos filmes deste cineasta. YOUTUBE

Armas na Mesa (2016) – dir.: John Madden. Uma lobista tem por tarefa impor ao Congresso e ao governo dos Estados Unidos, que vende armas a outros países em troca de “empréstimos” ou “ajuda humanitária”, ainda maiores benefícios para a já bilionária indústria armamentista.  Boa didática para entender como esse jogo escuso funciona. YOUTUBE

Capitalismo e crise  

A Grande Aposta (2015) – dir.: Adam McKay. O dono de uma empresa de investimentos decide apostar contra o sistema, numa operação ilegal, ganhando bilhões e gerando a crise. NETFLIX, GOOGLEPLAY, YOUTUBE

O Capital (2012) – dir.: Costa-Gavras. Não foi só nos Estados Unidos, na União Europeia também. Na França, a ascensão de um executivo à direção de um banco e sua entrada num universo de conchavos, ilegalidades, desprezo à ética. A certa altura, ele diz aos investidores que sua função é roubar dos pobres para dar aos ricos... VIMEO

Roger e Eu (1989) – dir.: Michael Moore. O documentário investiga o desemprego e aumento da criminalidade em Flint, Michigan, após a transferência da General Motors, principal empregador da cidade, para o México. A fuga das indústrias para o exterior destruiria a classe operária no país. YOUTUBE

Grande Demais para Quebrar (2011) – dir.: Curtis Hanson. A crise de 2008 e as “bolhas”, a começar pela bolha imobiliária e outras falcatruas. A bancarrota do Lehman Brothers e o pânico que se seguiu nos demais bancos e no governo, resultando  na injeção de bilhões de dólares de dinheiro público. As vítimas da bolha imobiliária perderam suas casas e não receberam um centavo. YOUTUBE

Trabalho Interno (2010) – dir.: Charles Ferguson. Analisa a crise desde quando começou a “desregulação” do capital financeiro, promovida pelos governos conservadores de Reagan e dos dois Bush. Mostra o conluio entre dirigentes de financeiras, Legislativo e Executivo. As financeiras receberam bilhões do governo, nem uma só perdeu dinheiro nem foi processada, todas afinal saindo mais ricas que antes. NOW, YOUTUBE

Mundo do trabalho

Mimi o Metalúrgico (1972) – dir.: Lina Wertmüller. Um operário da Sicília vai para o Norte em busca de trabalho, deixando mulher e filhos. Lá, fica dividido entre sindicato e máfia, enquanto arranja outra mulher. O filme mostra como o patriarcalismo arraigado em que foi criado impede sua politização. YOUTUBE

Stanley & Iris (1990) – dir.: Martin Ritt. O cinema americano raramente mostra um operário, mas este filme traz a inacreditável história de um deles que deseja aprender a ler, pois sua vida de pobre vai de desastre em desastre por causa do analfabetismo. Outra operária vai tomá-lo como aluno e uma terna relação se desenvolve entre ambos. Uma história tão portentosa exigiria mesmo dois monstros para vivê-la: Jane Fonda e Robert De Niro. YOUTUBE

A Classe Operária Vai ao Paraíso (1971)dir.: Elio Petri. Crítica simpática, mas inclemente das ilusões vendidas ao proletariado da Itália na prosperidade do pós-guerra. Lulu Massa é o operário-padrão que acredita no que faz, recusando-se a entrar em greve com os companheiros, até que perde um dedo na máquina e é abandonado pelos patrões. O protagonista é vivido pelo grande ator politicamente engajado Gian-Maria Volonté, que estrelou praticamente todos os filmes dessa brilhante safra italiana: O Caso Mattei, Investigação de um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, Saco e Vanzetti, Giordano Bruno, O Caso Aldo Moro, entre outros. YOUTUBE

Os Companheiros (1963)dir.: Mario Monicelli. Maravilhoso filme sobre uma greve de operários da indústria têxtil no século 19 em Turim, na Itália. Um professor socialista chega de trem para auxiliá-los na organização do movimento e na definição das reivindicações. YOUTUBE

Norma Rae (1979) dir.: Martin Ritt. Uma operária têxtil no Sul dos Estados Unidos resolve protestar contra péssimas condições de trabalho e acaba se tornando líder do movimento. TELECINEPLAY

Pão e Rosas (2000)dir.: Ken Loach. Um experimento americano do diretor inglês devotado aos pobres. Examina as condições de vida e os mecanismos que incidem sobre uma greve de faxineiras chicanas em Los Angeles. YOUTUBE

O Homem que Virou Suco (1979) – dir.: João Batista de Andrade. Outro operário-padrão, desta vez no ABC paulista. Um poeta popular nordestino que sobrevive em São Paulo vendendo folhetos de cordel é confundido com um sósia, este sim o operário-padrão que na festa de premiação mata o patrão da multinacional. LOOKE, YOUTUBE

Ou Tudo ou Nada (1997) – dir.: Peter Cattaneo. Um dos primeiros filmes a lidar com o desemprego trazido pelo fim da sociedade industrial. Em Sheffield, na Inglaterra, que já foi a capital do aço e grande centro fabril, um grupo de desempregados sem perspectiva decide montar pioneiramente um show de striptease masculino. Como enfrentar a desgraça com bom humor. NOW, GOOGLEPLAY, YOUTUBE

Eu, Daniel Blake (2016) – dir.: Ken Loach. A via crucis de um idoso que, após um infarto, vai atrás de seus direitos, descobrindo de que nada vale ter trabalhado a vida inteira, pagando sem falha sua contribuição à aposentadoria. Entre outros tropeços, o sistema só aceita formulários preenchidos online, coisa que ele, que não tem dinheiro para comprar computador, não sabe fazer. Conta com a amizade de uma mãe solteira moradora de rua, que também vai de mal a pior. NOW, GOOGLEPLAY, NETFLIX, YOUTUBE

Você Não Estava Aqui (2019) – dir.: Ken Loach. O diretor, como sempre em cima da hora, disseca a precarização do trabalho. O protagonista, em dificuldades, cai no engodo do “empreendedorismo”, tornando-se entregador, e vai sendo triturado pelo sistema. A falácia da uberização do trabalho, que está ocorrendo em escala mundial. NOW, TELECINEPLAY

Os poderosos

Cidadão Kane (1941) dir.: Orson Welles. O poder concentrado nas mãos de um barão da mídia e daí para a política. No futuro veríamos o dono de um complexo empresarial de mídia tornar-se presidente da Itália e um apresentador de TV presidente dos Estados Unidos. No capítulo dos poderosos, sobressaem igualmente seus filmes Macbeth e Otelo. LOOKE, GOOGLEPLAY, YOUTUBE

Vice (2018) – dir.: Adam McKay. De como Dick Cheney, o vice-presidente de George W. Bush, manipulou o presidente com sua agenda direitista e de proveito próprio. Sua empresa Halliburton foi a que mais lucrou na invasão do Iraque, de que foi idealizador e incentivador entusiasta. Autor da mentira sobre “armas de destruição em massa”. NOW, GOOGLEPLAY, LOOKE, YOUTUBE

São Bernardo (1972) – dir.: Leon Hirszman. Baseado no romance de Graciliano Ramos. A trajetória de um sertanejo de Alagoas, movido pela obsessão do ganho. Sobe na vida, tornando-se um grande fazendeiro e ficando cada vez mais rico e poderoso, à custa de sacrificar tudo aquilo que humaniza. Essa trajetória é examinada passo a passo. LOOKE, YOUTUBE

O Caso Mattei (1972) – dir.: Elio Petri. O filme pertence à grande tradição do filme político dentro do neorrealismo italiano do pós-guerra. Um industrial de esquerda morre misteriosamente num atentado nunca esclarecido a seu avião, numa viagem. YOUTUBE

Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (1970) – dir.: Elio Petri. Outro filme dessa safra. O criminoso impune e que se diverte com isso é o único de que ninguém suspeitaria, ou seja, o chefe de polícia. Mostra o que é o poder e a manipulação que efetua dos cidadãos. YOUTUBE

O Poderoso Chefão (1972/1974/1990)dir.: Francis Ford Copolla. Trilogia sobre a ascensão da máfia italiana em processo de tomar o poder nos Estados Unidos, e especialmente na cidade de Nova York. Seus dilemas, seus problemas familiares e sua trajetória inexorável. NOW, TELECINEPLAY, GOOGLEPLAY, NETFLIX, YOUTUBE

Sangue Negro (2007) – dir.: Paul Thomas Anderson. Baseado no romance Petróleo, de Upton Sinclair, representante da famosa geração do romance norte-americano de denúncia social que se voltou para os males que assolavam o país, nas décadas de 1920 e 1930. Percurso de um mineiro que, através de desonestidade, violência e falta de escrúpulos vai-se tornar um magnata, quando as novas fontes de energia ainda não estavam exploradas. NOW, TELECINEPLAY, LOOKE

Trono Manchado de Sangue (1957) – dir.: Akira Kurosawa. Adaptação do Macbeth de Shakespeare, evidenciando que anatomias da ambição de poder combinam bem com sagas de samurai. O requinte gráfico explora os contrastes entre o preto e o branco. Inesquecível o Macbeth todo de preto, com o crescente argênteo em seu elmo. YOUTUBE

Lanternas Vermelhas (1991) – dir.: Zhang Yimou. O poder discricionário de vida e morte que um homem exerce sobre suas quatro esposas, que oprime e manipula. Entre suicídio e loucura, basta ver o que resta delas até o fim do filme. Tudo se passa no pátio interno da casa e o marido nunca é visto, só os resultados nefastos de seu poder absoluto sobre as mulheres. YOUTUBE

O Imperador e o Assassino (1998)dir.: Chen Kaige. Ficção sobre o primeiro imperador a unificar a China, acabando com o período chamado “dos Reinos Combatentes”. Feroz e cruel, sem o menor escrúpulo, nada fica em seu caminho, nem os piores crimes e a maior abjeção. Sua ambição sem peias tem por alvo o trono de primeiro imperador, quando adota o nome de Qin Shi Huangdi (221-206 AC). YOUTUBE

Psicopata Americano (2000) – dir.: Mary Harron. Um banqueiro de investimentos, que opera em Wall Street e na Bolsa, milionário, tem como satisfazer sua secreta fúria homicida graças à posição e ao dinheiro. Leva a vida padrão de sua camada social e de sua época, entre academia, trabalho estressante, mulheres, cocaína e crimes sangrentos. O filme analisa a psicopatologia desse tipo de trabalho e carreira. GOOGLEPLAY, LOOKE, YOUTUBE

A Assistente (2020) – dir.: Kitty Green. Ficção baseada em depoimentos de mulheres abusadas por Harvey Weinstein, o filme vai explicando didaticamente a “cultura de acobertamento do assédio” que vigora de cima abaixo em Hollywood e não só na Miramax, sua produtora. Um magnata como ele tem todo um sistema montado, que pôde garantir satisfação e impunidade por quarenta anos. Há vários documentários sobre ele e as cerca de 80 mulheres, dentre as maiores estrelas do cinema, que o denunciaram, conduzindo ao julgamento e à condenação a 23 anos de prisão.

Ivan, o Terrível (1944/1948)dir.: Eisenstein. Dois filmes com o mesmo título. O segundo, proibido por Stalin, só foi distribuído após a morte do ditador. É impossível não enxergar que é Stalin quem está retratado naquele déspota psicopata, maquiavélico, impiedoso, sanguinário e paranoico, assolado por perseguidores imaginários em cada canto, a quem nada detém na trajetória rumo ao poder e em sua consolidação. É um notável estudo desse tipo de líder – que está novamente em evidência nos mais altos governantes em nossos dias – e um marco na história do cinema. YOUTUBE

 

 

Walnice Nogueira Galvão é professora emérita da FFLCH da USP e integrante do Conselho de Redação de Teoria e Debate