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As mobilizações sociais em diferentes continentes têm como fio condutor perda de direitos, alta do custo de vida e a descrença nas instituições políticas

O ano de 2011 vai terminando e registra a ocorrência de importantes mobilizações sociais em diferentes regiões do mundo que prosseguem sem que seja possível, ainda, avaliar seus desdobramentos, salvo nos países do norte da África e do Oriente Médio, onde a chamada Primavera Árabe pouco alcançou em termos de transformações políticas e sociais.

Além desse importante e inusitado movimento, refiro-me à mobilização estudantil no Chile, a dos “indignados” na Europa e a do Occupy Wall Street nos Estados Unidos. Apesar de a europeia e a americana nascerem principalmente das consequências da crise econômica e do desemprego que afeta mais duramente os jovens, o fio condutor de todas é a perda de direitos, a alta do custo de vida com diferentes nuances, desde o aumento exorbitante da farinha de trigo no Egito até o custo da educação superior no Chile, e a descrença na capacidade das instituições políticas de resolver os problemas da maioria da população, particularmente da juventude.

A revolta popular nos países árabes começou ainda em dezembro de 2010 na Tunísia, até o momento o único país rebelado a conquistar eleições livres, embora elegendo uma coalizão conservadora liderada por um partido de cunho islâmico. No Egito, apesar das promessas, a única mudança foi trocar um brigadeiro por um general, e as forças armadas seguem no poder, inclusive reprimindo algumas das poucas organizações sociais que contribuíram para as manifestações da Praça Tahir, como o recente massacre de cristãos coptas. O processo líbio levou a uma guerra civil, cuja primeira fase somente foi vencida pelos chamados “rebeldes” graças à intervenção da Otan e à execução de Muamar Kadafi. Ali o desdobramento provavelmente será anos de violência sectária, como vemos no Afeganistão e no Iraque, depois da ocupação americana. No Bahrein e Iêmen houve a intervenção saudita para debelar os movimentos com a cumplicidade das grandes potências, tão afoitas para derrubar Kadafi, mas desinteressadas em substituir seus aliados na região.

O movimento dos “indignados” na Europa teve início em maio na Espanha, com o acampamento de jovens na Plaza del Sol, em Madri, e prossegue até agora. No dia 15 de outubro se espalhou por quase todas as capitais e grandes cidades do continente, com novos acampamentos e grandes manifestações, incluindo a maior delas, com 500 mil pessoas, na cidade onde tudo começou.

O Occupy Wall Street tem se revelado muito criativo desde o primeiro acampamento montado em Nova York e o uso da consigna dos 99% da população lutando contra o 1% que representa banqueiros e outros aproveitadores. No entanto, apesar de estar se espalhando por centenas de cidades americanas, tem sido infiltrado por membros do Tea Party e de grupos neonazistas, que querem usá-lo para combater o governo Obama, tendo em vista a eleição presidencial de 2012.

A mobilização de maior sucesso político até o momento é a dos estudantes chilenos. Já dura cinco meses e conquistou o apoio da ampla maioria da opinião pública para o questionamento das políticas neoliberais que o país herdou da ditadura Pinochet, obrigando o governo do presidente Piñera a abrir negociações.

Os insucessos da Primavera Árabe se devem à quase total ausência de organizações da sociedade civil e de partidos, fruto dos longos períodos de regimes ditatoriais, que pudessem articular uma plataforma política e oferecer uma alternativa concreta de mudança. Isso se repete, de certa forma até o momento, no caso europeu e americano. Há forte indignação e mobilização e há organização social, mas esses fatores ainda não conseguiram se articular politicamente para constituir plataformas e alianças partidárias que consigam levar a transformações. Os partidos socialistas, que costumavam cumprir esse papel no passado, não o fazem mais, pois se renderam à visão neoliberal de promover políticas de austeridade para salvar o capital financeiro.

Portanto, há um vácuo político. É aguardar para ver e torcer para que esses movimentos façam progresso e consigam evitar o risco de ser instrumentalizados pela direita.

Kjeld Jakobsen é consultor de Relações Internacionais