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Contrariando a ideia de que são pessoas ociosas e improdutivas, 31% dos nem-nem estão à procura de trabalho, mais da metade (64%) dedica-se a trabalhos de cuidado familiar e quase todos desempenham tarefas domésticas ou ajudam nos negócios da família

Em dezembro de 2018 foi publicado o estudo “Millennials na América Latina e no Caribe: Trabalhar ou estudar?”1, realizado entre os anos de 2017 e 2018 em nove países (Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Haiti, México, Paraguai, Peru e Uruguai) com um universo de 15 mil jovens entre 15 e 24 anos2, nascidos entre 1981 e 1996 – a chamada geração Y. O estudo fez dois levantamentos de dados (um quantitativo e outro qualitativo) com vistas a compreender melhor o perfil dos jovens e o contexto em que vivem. No Brasil, a coordenação do projeto ficou sob a responsabilidade do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)3, que elegeu o município de Recife (PE) para a coleta dos dados.

Dos resultados, surge o questionamento da tão mencionada categoria de jovens “nem-nem”, que se refere àqueles que “nem trabalham nem estudam”. A problematização foi possível porque, segundo os pesquisadores, uma das novidades do estudo foi a inclusão de variáveis que vão além das tradicionalmente obtidas em pesquisas domiciliares, como renda ou nível educacional, e a incorporação de outros dados menos convencionais: as informações que os jovens têm sobre o funcionamento do mercado de trabalho, suas aspirações, expectativas e habilidades cognitivas e socioemocionais.

Com o exame qualitativo e quantitativo, verificou-se que a maior parte dos jovens da região encontra-se em atividade, seja trabalhando, seja estudando, ou ainda se dedicando a ambas ao mesmo tempo. Foram identificados 20 milhões de jovens na condição de nem-nem, o que corresponde a 21% dos jovens da região. Outros 41% se dedicam exclusivamente aos estudos ou à capacitação; 21% apenas trabalham; e 17% trabalham e estudam. México (25%), El Salvador (24%), Brasil (23%) e Haiti (19%) têm os maiores percentuais de jovens nem-nem; no outro extremo está o Chile, com apenas 14% de jovens nesta condição.

Contrariando a ideia de que são pessoas ociosas e improdutivas, constatou-se que 31% dos nem-nem estão à procura de trabalho (principalmente os homens); mais da metade (64%) dedica-se a trabalhos de cuidado familiar (principalmente as mulheres); e quase todos desempenham tarefas domésticas ou ajudam nos negócios da família. Ocorre que nem sempre o trabalho por eles desempenhado é reconhecido como tal. O trabalho doméstico e de cuidado realizado pelas mulheres é um exemplo clássico, que há muito vem sendo analisado pelo campo da economia feminista. Na média dos nove países em estudo, apenas 3% dos nem-nem não realizam nenhuma tarefa nem possuem deficiência que os impeça de estudar ou trabalhar. As taxas são mais altas sobretudo no Chile (10%) e no Brasil (12%).

A análise qualitativa revelou que os nem-nem são os que identificam mais enfaticamente a violência e a insegurança como problemas de seus países, e as drogas como uma constante ameaça de obtenção de dinheiro fácil, que os afasta de aspirações educacionais e profissionais. Nesse sentido, a pesquisa aventa que ser nem-nem também pode ser uma estratégia de evitar os riscos das ruas.

Uma das contribuições do estudo diz respeito à formulação ou aprimoramento de políticas públicas. De fato, saber o que está por trás da escolha entre estudar e trabalhar, ou a combinação de ambas, é de fundamental importância para o desenho das políticas. Mas a divulgação da pesquisa tem também um sentido pedagógico para os próprios jovens e para a sociedade de modo geral, na medida em que nos informa sobre o mercado de trabalho atual e as formas de exclusão nele presentes.

A pesquisa mostra que 70% dos jovens que trabalham são empregados em atividades informais e aqueles localizados no mercado informal sofrem de alta rotatividade nos empregos – em quatro anos de trabalho, os jovens tiveram em média 3,5 empregos. Como não há mais empregos vitalícios, as habilidades esperadas são do tipo flexíveis, correspondentes ao ambiente de constante mudança em que vivem os jovens. Por conta da alta rotatividade, os empregadores têm pouca disposição para investir em capacitação, o que agrava ainda mais a condição de vulnerabilidade e despreparo dos jovens. No que diz respeito à educação, verificou-se que 40% são incapazes de realizar cálculos matemáticos básicos e somente 22% são fluentes em inglês – no Brasil são apenas 15%.

Contudo, constataram-se facilidade para o uso de dispositivos tecnológicos e presença de habilidades socioemocionais – altos níveis de autoestima, autoeficácia (capacidade de se organizar para atingir os próprios objetivos) e perseverança. O estudo evidenciou que os jovens latino-americanos e caribenhos são, em geral, otimistas em relação ao futuro. De fato, embora a cobertura do ensino superior na região seja, em média, de 40%, a grande maioria dos jovens pesquisados (85%) pretende concluir o ensino superior e se declara altamente convencida de que conseguirá. O Brasil é o país com a pior expectativa (77%), taxa ainda alta, considerando-se que somente 15% dos brasileiros possuem ensino superior.

A divulgação dos resultados da pesquisa pode ajudar a sustentar e dar solidez à luta por um Estado que promova políticas de inclusão, de redução das desigualdades e de garantia dos direitos. Boa parte desses direitos, dentre eles o próprio direito de viver a juventude, está prevista no Estatuto da Juventude, sancionado em 2013 pela presidenta Dilma Rousseff. Infelizmente, muitos deles encontram-se ameaçados pelas medidas tomadas e/ou em discussão pelo novo governo.

Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)