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Em debate "um tipo diferente de economia: aquele que traz vida, não morte, que é inclusivo e não exclusivo, humano e não desumanizado, que cuida do meio ambiente e não o superexplora”

Entre os dias 19 e 21 de novembro foi realizado o encontro da Economia de Francisco e Clara, que reuniu 2 mil jovens economistas de 115 países dispostos a debater e construir "um tipo diferente de economia: aquele que traz vida, não morte, que é inclusivo e não exclusivo, humano e não desumanizado, que cuida do meio ambiente e não o superexplora”. O Brasil esteve presente com a segunda maior delegação, atrás somente da Itália. Foram duzentos jovens de todas as regiões do país, engajados em “realmar” a economia, repensar seus princípios e propor mudanças.

A ideia de um encontro para construir uma nova agenda econômica global partiu originalmente de uma convocação do Papa Francisco, em carta lançada, não à toa, no dia 1º de maio de 2019. Estava previsto para ocorrer de forma presencial em março de 2020 na cidade de Assis, na Itália, porém em razão da pandemia da Covid-19 deu-se em formato virtual, ficando o encontro presencial para novembro de 2021 na mesma cidade. Voltado para jovens economistas em sentido amplo, não disciplinar e corporativista do termo, o encontro de pesquisadores, ativistas e empreendedores reuniu ecumenismo, ecologia e economia.

Na coluna de dezembro de 2019 comentei sobre a Articulação Brasileira de Francisco e Clara (ABEFC) que, recém-criada, realizava seu primeiro encontro na PUC-SP. Uma de suas primeiras e mais destacadas contribuições foi incorporar a referência à Santa Clara ao nome do evento, tanto para reconhecer seu testemunho, quanto para afirmar o lugar das mulheres na caminhada pela nova economia.

Ao longo de 2020 as juventudes organizaram uma série de atividades, debates e webinars, visando desenvolver os princípios da Economia de Francisco e Clara e consolidar uma rede. Também foi incentivada a criação de projetos e startups com ações concretas de mudança nos territórios. A maior parte do trabalho se organizou por meio de doze vilas ou aldeias temáticas pelas quais as juventudes puderam optar. Propositalmente provocativos, os títulos das vilas estimulam o "pensamento fora das caixinhas" a partir da disposição de elementos contrapostos pela economia atual, mas entendidos como complementares pela ótica da Economia de Francisco e Clara: Gestão & Dom; Finanças & Humanidade; Trabalho & Cuidado; Agricultura & Justiça; Energia & Pobreza; Negócios & Paz; Mulheres pela Economia; CO2 das Desigualdades; Lucro & Vocação; Negócios em Transição; Vida & Estilo de Vida; e Políticas para Felicidade.

Nos três dias do encontro oficial, as juventudes dos 115 países tiveram a oportunidade de apresentar e aprofundar todas essas discussões e propor ao mundo novas ideias e configurações a respeito do que deve e pode ser a economia de Francisco e Clara que buscamos construir. À exceção de alguns poucos espaços, todas as seções foram transmitidas ao vivo e estão disponíveis no canal da Economia de Francisco no Youtube. Importantes figuras da cena pública mundial se fizeram presentes, como Muhammad Yunus, Vandana Shiva, Jeffrey Sachs, Leonardo Boff e outras. Além disso, as vilas tiveram espaço para apresentar suas trajetórias e os projetos elaborados pelos jovens.

Um dos pontos altos do encontro foi a chamada Maratona. Em 24 horas de transmissão online os países se revezaram em apresentações que deram a tônica da diversidade global da Economia de Francisco e Clara e fizeram ecoar as vozes e os corpos das periferias, bem como as cores das culturas globais. Como os espaços foram auto organizados pelas próprias juventudes, esse foi o momento em que de fato vimos o esforço autêntico de responder ao chamado do Papa.

Ao final do terceiro dia, o Papa Francisco agraciou-nos com um belo pronunciamento sintonizado com as mensagens das encíclicas Laudato Si' (2015) e Fratelli Tutti (2020). Afirmou que aquele momento não era "um ponto de chegada, mas o impulso inicial de um processo" de mudanças econômicas e políticas em que os excluídos, os pobres e "também a irmã terra", deveriam tornar-se "protagonistas das suas vidas, assim como de todo o tecido social". "Não pensemos por eles, pensemos com eles", disse o Papa Francisco.

Para mim certamente o encontro de novembro não foi o fechamento, mas um marco importante de uma caminhada promissora e transformadora que muito tem me cativado. Envolvida na Vila Agricultura & Justiça, já me sinto parte de uma rede potente de jovens brasileiros e latino-americanos sensibilizados e profundamente comprometidos com o espírito de mudanças proposto pelo Papa. Partilhando desse ideal comum, nossa Vila elaborou um dos mais significativos projetos da Economia de Francisco e Clara, a qual demos o nome de Aliança Mulher Mãe Terra. Essa iniciativa em construção nasceu do diálogo com organizações sociais de luta pela terra e pelo direito à alimentação saudável no Brasil e dá centralidade a dois temas fundamentais, o direito à terra das mulheres e a soberania alimentar.

Com ela buscamos responder, ou melhor, corresponder, ao chamado do Papa com o mesmo espírito de ousadia e esperança, dando seguimento a uma caminhada que visa "iniciar processos, traçar percursos, alargar horizontes e criar pertenças".

 

Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)