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Como garantir ao cidadão comum sua liberdade de expressão?

O Manifesto pela Liberdade de Expressão, assinado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) e pela Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner) e divulgado durante a recente Conferência Legislativa sobre a Liberdade de Imprensa, reafirma que, para essas entidades, o Brasil tem vivido e continuará a viver sob a ameaça permanente da ação do Estado contra a liberdade de imprensa.

O Estado Democrático de Direito, os preceitos constitucionais, as declarações quase diárias das principais autoridades públicas de reafirmação da liberdade de imprensa não são garantias suficientes. O exercício pleno dessa liberdade e o rigoroso cumprimento das normas e dos procedimentos legais nos casos de conflito de interesses que não logram ser resolvidos pela negociação direta também não. Algumas decisões judiciais são consideradas como “censura prévia” e “preocupantes”, até mesmo projetos de lei apresentados por parlamentares democraticamente eleitos que tramitam regularmente no Congresso Nacional.

Os grandes grupos de mídia sempre recorrem indistintamente aos princípios fundamentais da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão na defesa de seus interesses e negócios.

É importante, todavia, observar que, na colocação pública das suas posições sobre liberdade de imprensa, esses grupos nunca considerem a impossibilidade prática que um cidadão comum tem de exercer seu direito individual à liberdade de expressão, isto é, de expressar sua opinião publicamente. O que o cidadão comum deve fazer? Como competir por espaço/voz na grande mídia?

Essas questões vêm a propósito dos enormes obstáculos com que defronta quem tenta criar uma mídia alternativa aos grandes grupos dominantes. Por que não temos uma mídia alternativa, como ocorre em diversos países semelhantes ao nosso? Por que inúmeras tentativas têm sistematicamente fracassado?

As dificuldades pelas quais passou recentemente a Agência Carta Maior são um exemplo emblemático. Criada durante o 1º Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre (2001), ela produz um jornalismo independente que cobre direitos humanos, meio ambiente, movimentos sociais, além de abrigar temas de política e economia que não são pautados pela grande mídia, inclusive temas ligados a ela própria. Só que faltam apoio e recursos para sobreviver. Como convencer anunciantes e patrocinadores, públicos e privados, de que a mídia alternativa oferece retorno para seu investimento?

Um dos editoriais nos quais informava a seus leitores sobre a possibilidade de “fechamento iminente” afirmava: “A situação vivida por Carta Maior é a da maioria dos veículos de comunicação dessa imprensa alternativa, ou outro nome que se lhe queira dar. Portanto, uma forma de ajudar a todo esse conjunto absolutamente necessário para a democracia da nossa comunicação é debater essa questão, escrevendo a respeito, colocando-a em pauta nos sindicatos, partidos, organizações não-governamentais, escolas, universidades, em todos os veículos que estiverem ao alcance dos leitores”.

O fechamento da Carta Maior felizmente não se confirmou. Mas, independentemente de sua sobrevivência, a questão fundamental está mais atual do que nunca. Há ou não necessidade de haver uma mídia alternativa à grande mídia? De que forma estará mais bem servida a liberdade de imprensa?

O que está em jogo, na verdade, é exatamente a questão que sempre fica de fora do debate público proposto e agendado pela grande mídia: como garantir ao cidadão comum sua liberdade de expressão?

Venício A. de Lima  é sociólogo e jornalista, autor de Mídia: Crise Política e Poder no Brasil