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“Percepções sobre os Direitos Humanos no Brasil” – investigação inédita pela combinação da extensão do tema focado com a abrangência nacional

Creio que na cabeça de salomão o não querer
e o não saber
se confundem numa grande interrogação sobre
o mundo
em que o puseram a viver, aliás, penso que
nessa interrogação

nos encontramos todos, nós e os elefantes

José Saramago

Em dezembro passado foi divulgada pesquisa de opinião da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, realizada pela Criterium Avaliação de Políticas Públicas, intitulada “Percepções sobre os Direitos Humanos no Brasil” – uma investigação inédita pela combinação da extensão da abordagem do tema focado com a abrangência nacional de seu desenho.

Coletados em agosto de 2008, em entrevistas com 2.011 brasileiros a partir dos 14 anos de idade, residentes em 150 municípios distribuídos por todo o país, os dados trazem boas e más notícias. As revelações positivas referem-se a pontos centrais do estudo: para a maioria, o conceito de cidadania remete a noções abrangentes e universalistas, e, solicitados a indicar quem é primordialmente protegido pelos direitos humanos, apenas um em cada sete brasileiros (15%) faz associações negativas, entendendo os direitos humanos como privilégio de grupos restritos (infratores ou elites).

Entre os resultados negativos estão o apoio majoritário a políticas repressivas, como a redução da maioridade penal (71% de concordância, dos quais 58% total, 13% em parte), e a secundariedade com que a questão do meio ambiente ainda é percebida pela quase totalidade da opinião pública no Brasil, quando solicitada a dizer o que pensa sobre cidadania e a responder quais são os direitos que considera mais importantes (apenas 1% das citações espontâneas a ambas as perguntas).

Tanto depois das concepções universalistas de cidadania como no ranking dos direitos considerados espontaneamente mais importantes, lideram as menções outros direitos sociais (puxados por saúde, educação e trabalho), por sua vez à frente de direitos civis (como ir e vir, segurança e liberdade de expressão) e bem à frente dos direitos políticos – um desequilíbrio em si também negativo, que sugere lacunas na formação de nossa cultura política, mas provável reflexo de décadas de lutas dos movimentos sociais, com seus muitos ganhos de cidadania.

Para o tema em pauta, o resultado animador é que, se sugerida, a questão do meio ambiente adquire forte reconhecimento: 93% afirmam considerar um direito humano “um meio ambiente saudável”. E diante de uma lista com oito direitos sugeridos, embora fique em quinto lugar (12%) como direito mais importante, distante dos direitos à saúde (86%), à educação (73%) e ao trabalho (67%), está próximo aos direitos à certidão de nascimento (17%), ao lazer (10%), à cultura (8%) e à nacionalidade (7%).

Ainda mais promissor, denotando consciência recente sobre o tema, no ranking dos direitos mais desrespeitados, embora ainda atrás de saúde (70%), educação (55%) e trabalho (54%), o direito a um meio ambiente saudável se destaca em quarto lugar (33%), à frente dos restantes (lazer e cultura vêm abaixo, com 20% cada um).

Em suma, se a maioria da opinião pública brasileira ainda não relaciona espontaneamente o tema do meio ambiente à construção da cidadania e aos direitos humanos, parece ser menos por falta de reconhecimento do seu status de direito fundamental, por inconsciência de sua importância ou ainda da gravidade do desrespeito a sua observância do que pela premência que atribui ao atendimento de outros direitos sociais e coletivos que vê como prioritários.

O aprofundamento da discussão pública sobre o tema pode reverter essa situação: esclarecido o vínculo entre qualidade de vida e meio ambiente, o impacto deste sobre o direito hoje mais demandado, a saúde, torna-se evidente; e a agenda do desenvolvimento sustentável tem implicações diretas sobre outro direito fundamental reivindicado, o trabalho.

Gustavo Venturi é professor de Sociologia da USP ([email protected])