Os movimentos sociais, sindicais e populares comprometidos com pautas socioeconômicas, a exemplo do que já fazem os movimentos cívicos ou de renovação política ligados ao mercado, precisam participar do processo eleitoral de forma mais direta, seja na formação de quadros para concorrer ao pleito, seja no apoio a candidaturas identificadas com suas causas e interesses. O momento é oportuno, especialmente após a anulação dos processos contra o ex-presidente Lula, e necessário, notadamente pela importância de eleger parlamentares comprometidos com a inclusão social, com os direitos humanos e com a defesa do meio ambiente.
Forças políticas ligadas ao mercado, por meio dos movimentos cívicos e de renovação política, como o RenovaBR, o Centro de Liderança Pública (CLB), o Movimento Brasil Livre (MBL), o Livres, entre outros, desde a eleição de 2018 têm investido fortemente não apenas na formação de quadros para concorrer aos pleitos eleitorais, mas também na sustentação ao mandato dos eleitos com apoio dos movimentos. Um dado interessante é que todos os eleitos por esses movimentos, em face do apoio e orientação que recebem, são parlamentares atuantes e reputados como quadros qualificados.
Nessa perspectiva, foi muito acertada a decisão do Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST), do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), do Movimento Camponês Popular (MCP), do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadores por Direitos (MTD), do Levante Popular da Juventude, da Consulta Popular, dos movimentos de mulheres e LGBQIA+, entre outros, de lançarem candidatos para fazer o contraponto às forças conservadores e de direita, que têm se organizado para defender suas pautas nos parlamentos estaduais e federal. Assim como os candidatos vinculados ao mercado disputam pelos partidos de direita, centro-direita e centro, os candidatos dos movimentos sociais disputarão pelos partidos de esquerda e centro-esquerda.
Os movimentos sociais, sindicais e populares, por sua vez, assim como têm feito os movimentos cívicos e de renovação política vinculados ao mercado, precisam definir uma espécie de “carta-compromisso”, com uma plataforma mínima reunindo as bandeiras e propostas centrais, que deverá ser assumida pelos potenciais postulantes a cargos eletivos. Assim, os candidatos do campo popular, tal como ocorre com os candidatos assumidos pelos movimentos vinculados ao mercado, precisam não apenas subscrever, mas serem preparados (formado) para defendê-la durante a campanha e também no exercício do mandato, caso venham a ser eleitos. Só assim, as forças populares terão condições de enfrentar o movimento conservador em curso no país.
A carta-compromisso, em nossa avaliação, deve ser precedida de alguns “considerandos” que deixem clara a diferença dessas candidaturas em relação àquelas patrocinadas por movimentos vinculados ao mercado. Entre os “considerandos”, sugerimos os mesmos recomendados no texto de nossa autoria “Eleição municipal: como fazer a diferença”, publicado em julho de 2020, conforme segue:
“Considerando que o povo, na condição de eleitor, é o legítimo titular do poder e, quando vota em alguém conferindo mandato para representá-lo, o faz com base na trajetória – política/pessoal/profissional/ética – do candidato, com fundamento no programa apresentado durante a campanha e com exigência de prestação de contas do seu mandato;
“Considerando que o eleitor também espera que o candidato, uma vez eleito e no cumprimento do mandato, seja autêntico e republicano no exercício das três dimensões da atuação parlamentar, quais sejam as de representante da vontade popular, de legislador e de fiscalizador dos atos e gastos governamentais;
“Considerando que a coerência entre discurso e prática é que legitima o exercício da representação e da governança;
“Considerando que o cidadão e os movimentos sociais, cívicos e éticos só devem apoiar candidaturas comprometidas com causas e projetos que coincidam com os interesses, aspirações, desejos e reivindicações dos munícipes;
“Considerando que a descrença na política, nos detentores de mandatos e nos agentes públicos é decorrente da ausência de confiança na seriedade, na decência e no compromisso dos representantes para com os representados;
“Considerando, ainda, que a ética e a transparência dos atos públicos devem ser premissas indispensáveis à relação de confiança entre representantes e representados”.
Com base nesses “considerandos”, é fundamental que seja elaborado um manifesto para ser subscrito pelos candidatos, com os seguintes compromissos, entre outros:
1º. Ética na condução do mandato
2º. Transparência e prestação de contas dos mandatos
3º. Lealdade ao programa partidário e aos compromissos de apoiar e defender, por exemplo,
4º. Compromisso, participação e consulta ao eleitorado
Com atitudes como estas, certamente os partidos do campo democrático e popular estariam contribuindo para: a melhoria da representação política; o resgate da política como valor fundamental da democracia; a identificação das diferenças em relação a partidos e candidatos identificados com posturas antidemocráticas e antipopulares; e a ênfase em propostas e solução de problemas e não em julgamentos morais, em contraposição aos inconsequentes que disputam mandatos por perseguição e ressentimentos.
Com um bom planejamento, na perspectiva de escolha dos candidatos e da formação política desses quadros, e com uma plataforma bem construída, os movimentos sociais, sindicais e populares têm tudo para fazer a diferença nas eleições gerais de 2022. As fundações dos partidos poderão ter um papel fundamental na agregação de interesses dos movimentos sociais por meio de suas plataformas eleitorais e na formação e qualificação dos quadros para a disputa eleitoral. Se as forças progressistas não elegerem grandes bancadas correm riscos de derrotas em questões centrais no Parlamento, seja como situação, no caso de eleger o governador ou o presidente da República, ou no caso de oposição. A direita, os conservadores e as forças de mercado estão empenhados em eleger grandes bancadas. A esquerda e a centro-esquerda precisam fazer o dever de casa!
Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, além de sócio das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Instituições e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”