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Novamente, antecedendo a eleição no país, surgem projetos de leis específicos que, em geral, são casuísticos e se destinam a favorecer partidos, candidatos ou restringir o poder da Justiça Eleitoral

Apesar de existir uma lei geral, de caráter permanente (Lei 9.504/1997), que disciplina todo o processo eleitoral – desde os cargos em disputa, passando pelas coligações, as convenções, a propaganda até o uso do fundo eleitoral –, em todo ano que antecede a eleição no país, o Congresso elabora leis específicas, supostamente para aperfeiçoar a lei eleitoral. Essas leis específicas, em geral, são casuísticas e, como regra, se destinam a favorecer partidos, candidatos ou restringir o poder atribuído à Justiça Eleitoral para disciplinar, mediante instruções, todo o processo eleitoral. Para vigorar em determinado pleito, é preciso que a lei que promoveu a mudança esteja em vigor pelo menos um ano antes da eleição.

Para o pleito de 2022, entretanto, os deputados e senadores pretendem modificar substancialmente a legislação eleitoral e partidária. As proposições com essa finalidade podem ser classificadas em:

  • estruturais, como o PL 2511/2015 sobre a criação da federação de partidos, o “emendão” à PEC 125/11, que institui o “distritão” e o PL 1.951, que reserva 30% das cadeiras das vagas destinadas a eleições proporcionais para as mulheres;
  • específicas, como a PEC 18/2021, que constitucionaliza a destinação de recursos para as campanhas eleitorais femininas, o PL 4.572/2019, que restabelece o horário eleitoral gratuito dos partidos políticos e o PLP nº 9/2021, que exclui da punição de inelegibilidade o gestor que teve suas contas rejeitadas por erro formal e foi punido com multa, sem danos ao erário;
  • polêmicas, como a PEC do voto impresso;
  • abrangentes, como o projeto de lei complementar que sistematiza a legislação em um Código Eleitoral.

Quanto às mudanças estruturais, apenas o projeto de lei que propõe a criação da federação de partidos em substituição ao fim das coligações nas eleições proporcionais (PL 2511//2015) tem chances reais de aprovação. A matéria está bastante adiantada, pois já foi aprovada pelo Senado e aguarda votação em regime de urgência urgentíssima no Plenário da Câmara. O texto, oriundo do Projeto de Lei do Senado n° 477/2015, de autoria da Comissão de Reforma Política daquela Casa do Congresso Nacional, dispõe que dois ou mais partidos poderão se reunir em federação como se fosse uma agremiação partidária, somando os votos de todos para efeito de quociente eleitoral e de cláusula da barreira, devendo manter-se na federação por pelo menos quatro anos.

O “emendão” à PEC 125/11, que pretende o fim das cotas por gênero e o fim do sistema proporcional, por sua vez, tem pouca chance de aprovação conclusiva para as eleições de 2022. Essa PEC, originalmente destinada ao adiamento das eleições em datas coincidentes com feriados, teve seu escopo ampliado pela relatora da Comissão Especial da Câmara, deputada Renata Abreu (Podemos-SP), para tratar de diversos temas, entre os quais o “distritão”, uma modalidade de voto majoritário que substitui o voto proporcional na eleição de deputados e vereadores. Por esse modelo, em vez de somar os votos dados aos partidos e aos candidatos para a definição do número de vagas a que terá direito cada partido, com a consequente ocupação das vagas pelos mais votados desses partidos, considera-se apenas o voto individual e são eleitos, independentemente do partido, os mais votados em cada distrito em ordem decrescente até preencher todas as vagas a que tem direito a unidade da federação na casa legislativa.

Esse sistema representa retrocesso, pois favorece celebridades e candidatos endinheirados, além de desvalorizar os partidos, eliminar o debate de ideias e restringir o acesso das minorias aos cargos eletivos na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores.

Por fim, ainda entre as propostas estruturais, encontra-se o Projeto de Lei do Senado nº 1.951/2021, que garante para as mulheres 30% das vagas na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, desde que o partido atinja o quociente eleitoral e a candidata obtenha votação mínima correspondente a 10% desse quociente. O projeto, de autoria do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), originalmente previa 15%, mas o relator, senador Carlos Favaro (PSD-MS), dobrou a garantia de presença feminina na representação proporcional do Parlamento. Mesmo já aprovado no Senado, dificilmente o projeto será apreciado conclusivamente a tempo de vigorar na eleição de 2022.

Na hipótese, pouco provável, de aprovação do “distritão”, que consiste na substituição do sistema eleitoral pelo majoritário, o projeto de federação de partidos perderia objeto, já se trata de um arranjo partidário que só faz sentido num sistema proporcional, pois seu objetivo é somar votos proporcionais dados aos candidatos e partidos para superar o quociente eleitoral e a cláusula de barreira. Como o “distritão” abole o sistema proporcional, conceitos como os de quociente eleitoral, cláusula de barreira, federação de partidos, perdem sentido uma vez que só podem existir em sistemas eleitorais proporcionais. A Câmara já rejeitou, em 2015, por 210 votos favoráveis, 267 contrários e cinco abstenções a tentativa de implementação do “distritão”, suprimindo um dos principais pontos da PEC 182/2007.

Em relação às proposições específicas, duas delas têm bastante chance de aprovação conclusiva. Uma é o PL 4.572/2019, já aprovado no Senado, que restabelece o horário eleitoral gratuito dos partidos políticos e outra é o PLP nº 9/2021, já aprovado na Câmara, que flexibiliza a ficha limpa, excluindo dos casos de inelegibilidade e permitindo a candidatura do gestor que teve as contas rejeitadas e sofreu apenas punição de multa, sem desvio de recursos do erário. A PEC 18/2021, que reserva recursos partidários para as mulheres, apesar de aprovada no Senado, dificilmente terá sua tramitação concluída para vigorar em 2022. A PEC constitucionaliza a garantia legal de que os partidos devem destinar, no mínimo, 5% do fundo partidário para a criação, manutenção e promoção de campanha de mulheres na política. Além de prever que 30% do montante do fundo financeiro de financiamento de campanhas e da parcela do fundo partidário destinada a campanhas eleitorais, assim como o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão, sejam destinados às mulheres, independentemente do número candidatas do sexo feminino.

Já a polêmica PEC 135/2019,conhecida como PEC do voto impresso ou voto auditável, de autoria da deputada Bias Kicis (PSL-DF) – uma obsessão dos bolsonaristas – tem claramente a finalidade de tumultuar o processo eleitoral. A PEC está em uma comissão especial aguardando a votação do parecer favorável do relator, deputado Filipe Barros (PSL-PR). Pelo menos onze partidos, além do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, já manifestaram oposição ao voto impresso, tanto pelos custos que ele representará, frente à necessidade de adequação das urnas e da compra de impressora, quanto principalmente pela burocratização e pelo uso político que eleitores inescrupulosos poderão fazer dele, votando num candidato e alegando que votou noutro, com o nítido propósito de levantar dúvida sobre a lisura do processo eleitoral.

Na categoria de abrangente, estão as 878 mudanças na reforma do Código Eleitoral, resultado de um grupo de trabalho na Câmara, que teve como relatora a deputada Margarete Coelho (PP-PI). Sob o fundamento de unificação da legislação eleitoral e ampliação da segurança jurídica, o Código Eleitoral promove profundas mudanças na legislação eleitoral, entre elas retrocessos como o fim da obrigatoriedade dos candidatos de divulgarem a declaração de bens e evolução patrimonial, assim como a retirada ou redução de punição em caso de descumprimento da legislação de propaganda eleitoral, além de flexibilização de regras de prestação de contas de campanha e redução dos poderes da Justiça Eleitoral.

Considerando o grau de polêmica e a complexidade de alguns desses temas, dificilmente haverá tempo hábil para que sejam aprovados e entrem em vigor no próximo ano. As perspectivas de mudanças para vigorar em 2022, portanto, são modestas, com pouca ou nenhuma possibilidade de aprovação de proposições abrangentes, como o Código de Processo Eleitoral, e de mudanças constitucionais, como o voto distrital e voto impresso. Desse modo, além da federação de partidos, da flexibilização da Ficha Limpa e do retorno do horário eleitoral dos partidos, as mudanças ficariam restritas a simplificação da prestação de contas e mudanças sobre penalizações a candidatos, eleitores e partidos.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, consultor e analista político, diretor de Documentação licenciado do Diap, mestrando em Políticas Públicas e Governo pela FGV/DF, e sócio-diretor das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”