“Não existe planeta B”, “Mudança climática é pior que lição de casa”, “Mudem a política, não o clima”, “O clima está mudando, porque nós não?”, “Os oceanos estão se elevando e nós também”, “Queremos o New Deal verde”.
Essas são algumas dentre as milhares de frases que desfilaram em cartazes levantados por jovens de todo o mundo durante a Greve Global pelo Clima, que ocorreu na semana de 20 a 27 de setembro. Estima-se que mais de 6 milhões de pessoas foram às ruas nos cinco continentes habitados do planeta. A maior parte dos manifestantes era jovem, boa parte deles muito jovem. Há muito não se via uma mobilização tão grande e com tamanha repercussão.
O motivo da convocação da greve foi a realização da Cúpula de Ação Climática da ONU no dia 23 de setembro. Dois dias antes, no sábado 21, foi realizada a Cúpula da Juventude pelo Clima, que reuniu mais de 600 jovens de 140 países e territórios, “para compartilhamento de soluções num palco global e para dar um recado claro aos líderes mundiais: precisamos agir agora para as mudanças climáticas”. A ativista ambiental Greta Thunberg angariou boa parte das atenções nesse encontro.
Natural da Suécia, hoje com 16 anos, Greta foi uma das responsáveis pelas mobilizações Fridays for Future (Sextas-feiras pelo Futuro), iniciadas no ano passado. Ela se inspirou – e se somou – a movimentos juvenis que já vinham ocorrendo em outros locais do mundo, a exemplo da marcha liderada pela organização Zero Hour (Zero Hora), realizada em 21 de junho de 2018 em Washington D.C., capital dos Estados Unidos. Em contato com esses e outros jovens preocupados com as mudanças climáticas, Greta organizou sua primeira greve climática em 20 de agosto do ano passado. Um mês depois, os encontros passaram a ser identificados como Fridays for Futures.
Na Cúpula das Nações Unidas, seu questionamento sobre “como ousam os líderes mundiais roubar nosso futuro com a destruição do planeta e palavras vazias?” repercutiu mundialmente. Visões entusiasmadas com o discurso e com o movimento de maneira geral ressaltaram a ampla repercussão dos recentes protestos e o protagonismo juvenil. Destacaram ainda alguns dos resultados decorrentes da pressão dos protestos: o anúncio da Alemanha sobre o pacto de 54 bilhões de euros destinados a ações ambientais; e respostas da própria ONU, como o acordo pelo cumprimento de metas climáticas por 87 das maiores empresas do mundo e o compromisso de 2 mil cidades em considerar riscos climáticos nos seus processos de planejamento urbano1.
Já visões mais críticas denunciaram a ausência da dimensão social e de classe no discurso de Greta e ressaltaram a dimensão geopolítica atrelada às disputas pelo meio ambiente, comumente ausente de parte dos discursos sobre o assunto. Ao que parece, ambas visões merecem atenção, e têm o que ensinar e aprender uma com a outra.
Nessa seara, vem a calhar a frase de Chico Mendes: “Ecologia sem luta de classes é jardinagem”. Passa a mensagem de que a luta ambiental desconectada da dimensão de classe e das desigualdades sociais não pode chegar muito longe porque não ataca a raiz do problema, o modo de produção capitalista. Na mesma linha, análises de Rosa Luxemburgo e, mais recentemente, de David Harvey e outros mostram como o modelo de acumulação do capital está sempre à procura de reeditar o que Marx chamou de acumulação primitiva, a partir da (super)exploração do trabalho e da natureza.
Críticas de cunho geopolítico chamam a atenção para o fato de que muito se fala das sacolas de plástico e dos canudos que sufocam e matam tartarugas nos oceanos, mas pouca atenção é dada aos contêineres de lixo tóxico que empresas do hemisfério Norte enviam às costas marítimas do hemisfério Sul global, ou ainda, das expedições clandestinas que roubam a biodiversidade da Amazônia para a fabricação de medicamentos e cosméticos e por aí vai – a lista é, de fato, bastante extensa.
Ponderações e críticas são importantes porque denunciam práticas verdadeiramente condenáveis e expõem as entranhas de um sistema que historicamente se vale da superexploração de toda e qualquer forma de vida e da Mãe Terra como um todo. Elas nos informam sobre a dimensão do problema e sobre as consequências para os diversos biomas e grupos sociais. Porém, a tomada de consciência não pode nos levar à paralisia. Penso que é aí que temos muito o que aprender e trocar com a juventude entusiasmada que veio às ruas nas últimas semanas.
Por diversas razões, Greta Thunberg foi escolhida como símbolo das manifestações. Mas os protestos ultrapassaram em muito a figura e a mensagem que Greta carrega2. Motivaram jovens de países do Sul, de ilhas ameaçadas pelo aquecimento global, jovens trabalhadores e pobres, que têm muito mais a perder com o capitalismo do que Greta. Eis aí uma novidade que pode desenrolar surpresas positivas e verdadeiramente transformadoras.
Não podemos ignorar o fato de que os jovens tomaram a cena. Esse é um forte indicador de que paradigmas e agendas precisam mudar, e com urgência. Não sou otimista o bastante para dizer que já estão a mudar, mas estou convencida de que os princípios e as práticas que orientam as relações entre seres humanos e, entre seres humanos e o planeta, estão superados.
Sejamos humildes para reconhecer nossos limites epistemológicos e ontológicos tanto para enxergar os problemas, quanto para lidar com eles. Sejamos humildes para aprender com a juventude e com todos aqueles que vivem as mazelas sociais e ambientais no cotidiano e que podem trazer outras formas de conhecimento, outras vivências, soluções criativas e eficazes. E para não deixar o entusiasmo e a esperança de parte desses jovens se esvair, sejamos abertos e enérgicos para dialogar com eles a fim de sensibilizá-los para as várias dimensões do problema ambiental. Não vejo problema em ações como plantar árvores no parque ou catar o lixo da praia, desde que saibamos quem são e onde estão os principais destruidores do meio ambiente. Não podemos nos dar ao luxo de perder ninguém nessa luta, pois não existe planeta B.
Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)