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Sete meses após a tragédia na obra do Metrô de São Paulo, quem responderá pelas vítimas do avião da TAM perante a sociedade brasileira?

Quando esta crônica for publicada, o assunto já estará superado, pelo menos do ponto de vista da informação jornalística. O avião da TAM caiu ontem, 17 de julho, e a revista deve sair em meados de agosto. Mas esta não é uma revista normal, sob o aspecto dos interesses comerciais da venda de novidades. Deve suportar uma reflexão sobre um tema vencido. Aliás, é por isso que escrevo: não quero que o tema fique vencido. Escrevo no escuro, num exercício de futurologia, sem saber se os fatos que motivam minha escrita hoje terão ou não se modificado radicalmente até a data de publicação da revista.

Mas sou capaz de apostar que as perguntas que tenho a fazer não terão perdido a atualidade. Por exemplo: quantas autoridades caíram depois da tragédia com o Airbus da TAM em Congonhas? Terá caído o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito? Ou José Carlos Pereira, também brigadeiro, presidente da Infraero? Ou o ministro Waldir Pires? Terá o comando da Aeronáutica, finalmente, decidido escutar as insistentes queixas e advertências dos controladores de vôo, ou seus líderes continuarão afastados por insubordinação? Caso alguém tenha se dignado a se responsabilizar pela tragédia, quanto tempo de embromação e empurra-empurra terá transcorrido até a primeira demissão relevante?

Em janeiro, quando a cratera da Linha Amarela do Metrô de São Paulo engoliu sete passantes desavisados (duplo descaso: com a segurança da obra e com o sistema de alarme que poderia ter poupado todas aquelas vidas), muitas semanas se passaram até a demissão do presidente do Metrô. Depois disso, técnicos e trabalhadores começaram a denunciar as gambiarras que foram feitas para economizar material nas estações da Linha Amarela.

O presidente Lula costuma alegar que ninguém pode ser considerado culpado antes de investigação e julgamento. Isso vale para o presidente da Infraero, para os “nobres” senadores, como Calheiros e Roriz. (Reparem com que inocência nós, republicanos há mais de um século, empregamos a palavra nobre como qualificação positiva.) Parece que a regra só não tem validade nas favelas do Rio e de São Paulo, onde a polícia anuncia o veredicto da culpa por cima dos cadáveres que ela prejulgou. Mas aquelas são áreas pouco nobres, onde o país parece aceitar calado a suspensão do Estado de Direito.

Existe uma enorme diferença entre culpa e responsabilidade. A responsabilidade é o preço que todos pagamos pelas nossas escolhas. Daí que ela se torne mais pesada, mais consequente, para aqueles de cujas escolhas dependem as vidas de tantos outros. Responsabilizar-se é o ato simbólico que legitima o exercício da autoridade. Não é questão de culpa, é de vergonha.

Muita coisa vem melhorando no país sob o governo Lula. A economia cresce e, o que é inédito, a renda das famílias tem aumentado mais entre os pobres, sobretudo no Norte e no Nordeste. Mas os valores econômicos são insuficientes para dignificar a vida social. Valores econômicos são meios que não devem girar apenas sobre si mesmos. Com quais outros valores se constrói uma sociedade justa, progressista, participante e digna? Esta pergunta é fundamental para que o crescimento econômico do Brasil não se dê à custa da desmoralização da sociedade inteira, a começar por suas instituições parlamentares (e daí para baixo, em efeito cascata). O Brasil está precisando medir sua grandeza por parâmetros extra-econômicos, sem amesquinhar os ideais que sustentam a vida pública.

Sete meses após a vergonhosa tragédia na obra do Metrô de São Paulo, quem responderá pelas vítimas da derrapagem do avião da TAM perante a sociedade brasileira? Alguém terá se responsabilizado pessoalmente pelas más condições da pista de pouso, pelo caos do aeroporto de Congonhas? Talvez não. No Brasil, autoridades não caem. Quem cai somos nós, das nuvens ou do sétimo andar.

Maria Rita Kehl é psicanalista