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O governo lança uma cartada perigosa ao rumar contra a crise, mas não tem como recuar. Se persistir tem a chance de reduzir a força do rentismo no país

O fantasma da inflação sempre preponderou sobre qualquer tentativa de acelerar o crescimento. No final de agosto, no entanto, o governo deu uma guinada na política econômica ao procurar ativar a economia e iniciar o rompimento com a política financista de juros elevados, que atrelou o país a níveis de crescimento econômico aquém do potencial que possui.

O FMI divulgou no dia 20, no seu Panorama da Economia Mundial, a redução da estimativa de crescimento da economia mundial neste ano, de 4,5% para 4%, devido às crises nos Estados Unidos e na União Europeia. As economias avançadas devem crescer 1,6% e as emergentes, 6,4%. No Brasil, o fundo prevê queda de 4,1% para 3,8%.

Esse nível, abaixo da taxa mundial, confirma o acerto da decisão do governo de ativar a economia. A recidiva da crise reforça a necessidade de pisar no acelerador para escapar da recessão. Em 2008 a crise derrubou a economia em 0,6%, apesar das ações de estímulo feitas pelo governo. Isso não pode ocorrer de novo.

A decisão do Banco Central (BC) de enfrentar o processo de redução da Selic, conjugado com a garantia de cumprimento de metas fiscais, marca o início dessa guinada. O país sairá ganhando em sua imagem internacional ao deixar a vexaminosa posição de longa data de líder da mais alta taxa básica de juros.

Na esfera fiscal, ganha na conta de juros, que consome 6% do PIB, e no custo de carregamento das reservas internacionais, que neste ano poderá ultrapassar R$ 100 bilhões, maior do que todo o esforço do governo federal em alcançar o superávit (exclusive juros) de R$ 91,8 bilhões.

Na questão cambial, o país deixará de ser o preferido da especulação externa, em ambiente de elevada liquidez internacional e de juros negativos nas economias desenvolvidas. Essa especulação tem o efeito de uma bomba de sucção: retira recursos do governo e da sociedade para fora do país.

Por dar esse passo decisivo, o governo vem sendo duramente criticado pelo mercado financeiro, que procura desacreditar o objetivo de alcançar as metas fiscais deste e dos próximos anos e de controlar a inflação, além de apontar subserviência política do BC ao governo etc.

Não é de estranhar, no entanto, a reação do mercado financeiro. Apostou suas fichas na tese do aumento da inflação no país, o que faria com que o BC não reduzisse a Selic, para conter a demanda.

Essa análise peca, pois a Selic não controla a demanda. O que pode influenciá-la são as taxas de juros bancárias, que estão descoladas da Selic. Essas são dependentes das medidas macroprudenciais, como ficou provado a partir de sua implementação no final de 2010, seguindo decisão do Conselho Monetário Nacional.

A análise do mercado financeiro peca, também, ao desconsiderar que a queda da Selic influi significativamente sobre a decisão das empresas de investir, o que eleva a oferta de bens e serviços para atender à demanda, principal antídoto contra a inflação futura. A recente sondagem feita às empresas revela a disposição de investir face às perspectivas de queda da Selic.

Em síntese, a Selic não influi sobre a demanda e desestimula a oferta. Em vez de atenuar a inflação, a agrava.

Ao que tudo indica o governo lança uma cartada perigosa ao rumar contra a crise, mas não tem como recuar. Se persistir tem a chance de reduzir a força do rentismo no país e criar os espaços fiscais indispensáveis ao financiamento das suas atividades, como a expansão das despesas com saúde, educação e distribuição de renda, bem como para sustentar investimentos necessários à Copa e à Olimpíada e para superar a precária infraestrutura do país.

Há, sem dúvida, uma guinada na política econômica, que tem tudo para fortalecer o governo e diferenciá-lo dos que o antecederam. Vamos aguardar.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor