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A crise internacional pôs a nu a fragilidade financeira, monetária e fiscal dos países desenvolvidos

A crise internacional pôs a nu a fragilidade financeira, monetária e fiscal dos países desenvolvidos, que estão sendo obrigados, para estimular o consumo, a operar com taxas de juros reais (excluída a inflação) negativas. A ajuda governamental ao sistema financeiro insolvente criou déficits fiscais e endividamentos públicos sem precedentes.

Esses endividamentos vão causar proximamente taxas de juros crescentes, com elevação dos déficits fiscais e endividamentos, num círculo vicioso. O elevado nível de desemprego e o endividamento da população diminuem o consumo e os investimentos, e isso reduz a arrecadação pública e amplia a demanda social.

Receitas públicas menores com despesas sociais e de juros crescentes agravarão ainda mais seus déficits fiscais e contaminarão as condições de vida de suas populações. Na Grécia as crises sociais já começaram.

O presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, afirmou que a situação fiscal dos Estados Unidos e do Japão não era muito melhor que a da Grécia.

Segundo dados do FMI, nos últimos dez anos (2000 a 2009) o crescimento dos países desenvolvidos foi 17,1% e dos países emergentes 75,1% – ou seja, 4,4 vezes mais –, e para os próximos anos a maioria das análises prevê que a diferença entre esse desempenho será reforçada, impulsionada sobretudo pela Ásia, com grande peso para China. A demanda doméstica (consumo e investimento privado) será o carro-chefe desse processo.

A crise serviu para acelerar um novo arranjo geopolítico em construção nas últimas décadas com o avanço da globalização, que radicalizou o processo de concorrência internacional. A regulação de preços se deslocou das políticas monetárias locais para os preços ditados pela concorrência internacional.

Dentro desse processo da globalização, a expansão natural do capital foi na direção da minimização de custos de mão de obra, de menor tributação e de localização da expansão geográfica do consumo mundial. Os países desenvolvidos têm custos elevados de mão de obra e mercados estagnados ou em declínio, e por isso foram e continuarão perdendo a atratividade que tiveram frente aos emergentes. A consequência foi a transferência de oferta de empregos dos desenvolvidos para os emergentes, com uma incorporação sem precedentes de elevado contingente de pessoas no mercado de trabalho e de consumo nos emergentes. Essa expansão de consumo, por sua vez, reforça os movimentos do capital para esses países.

Ao lado desse processo vem se desenvolvendo um enfraquecimento de controle político dos países desenvolvidos nos fóruns internacionais. Os países do G-7 (grupo dos sete mais industrializados) começam a ceder espaço aos países componentes do G-20 e são questionadas as representações dos desenvolvidos nesses fóruns.

Outra forma de analisar esse processo é o esgotamento do modelo de desenvolvimento experimentado desde o início da Revolução Industrial, baseado numa concentração de renda e riqueza, o que levou inevitavelmente a crises de superprodução. O novo modelo se apoia na ascensão de forte contingente de novos consumidores pela geração de emprego e renda de populações antes marginalizadas da sociedade de consumo. Tudo leva a crer que esse novo modelo apresenta maior dinamismo e estabilidade que o anterior. Dinamismo pela concorrência internacional sem paralelo e estabilidade por se apoiar numa base de consumo bem maior.

Dentro desse quadro, não é de esperar sustentação para a tentativa de retomada do modelo anterior, onde os países desenvolvidos detinham parcela significativa do crescimento da demanda mundial.

É possível que o novo paradigma econômico já esteja em fase de formação e, caso isso aconteça, a redistribuição de renda tende a beneficiar as populações dos emergentes.

Será que o capitalismo experimentará uma nova fase, na qual sua viabilização se dê apoiada numa melhor distribuição de renda e riqueza?

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor