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Embora sem perspectivas de conclusão da Rodada Doha, os próximos meses prometem alguma atenção para a OMC em virtude do processo eleitoral do novo diretor-geral

A Rodada Doha de negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), iniciada em 2001, já se tornou de longe a mais longa das nove rodadas realizadas desde a fundação de sua precursora, o GATT, em 1948. E sem perspectivas de conclusão, embora os próximos meses prometam alguma atenção para a OMC em virtude do processo eleitoral do novo diretor-geral, que substituirá o francês Pascal Lamy, a partir de 31 de agosto e com mandato até 2017.

Concorrem nove candidatos, sete oriundos de países em desenvolvimento, dos quais três latino-americanos, do México, da Costa Rica, e o embaixador Roberto Azevedo, representante do Brasil na OMC desde 2008. O processo se dará por meio de consultas entre os países membros do final de março ao de maio, quando os que obtiverem menos apoios abandonarão a disputa até que se chegue a um nome. Não será uma disputa fácil para Azevedo, pois, embora exista a percepção geral de que é o momento de eleger um diretor com origem entre os países em desenvolvimento, seguramente os membros do influente “Quadrilátero” – Canadá, EUA, Japão e União Europeia – não se esqueceram da iniciativa brasileira em 2003 de criar uma coalizão de países em defesa de negociações ambiciosas da pauta agrícola na Rodada, o G-20, que acabou provocando a redução da agenda negociadora para quatro itens apenas, excluindo alguns temas caros às empresas multinacionais originários desses países, principalmente proteção aos investimentos, propriedade intelectual e compras governamentais.

O governo Lula se empenhou sobremaneira nas articulações para concluir a Rodada Doha, mas esbarrou na intransigência dos países desenvolvidos em abrir seus mercados para o comércio agrícola, embora exigissem grandes concessões na redução tarifária de bens não agrícolas (Nama). Com o início da crise econômica mundial em 2008 e as eleições presidenciais americanas no final daquele mesmo ano, o protecionismo dos países centrais se exacerbou e a conclusão da Rodada se tornou ainda mais distante. Posteriormente, o governo Dilma tentou levar o tema da desvalorização cambial de moedas como o dólar americano, o euro, entre outras, para discussão na OMC por se tratar de mecanismo que prejudica as exportações dos países em desenvolvimento. Obviamente, esse também não é um tema simpático ao “Quadrilátero” e o porta-voz da posição brasileira era o atual candidato Roberto Azevedo e eles temem que se ele for eleito irá priorizar esse tema na organização.

O empenho do governo Lula para concluir a Rodada, apesar de ser praticamente impossível no médio e longo prazo obter ganhos equilibrados entre os resultados da liberalização do comércio de bens industriais e de bens agrícolas, se devia principalmente à pressão do agronegócio brasileiro e à preocupação do Itamaraty em valorizar o fórum multilateral representado pela OMC para definir as regras internacionais de comércio.

No entanto, a conformação de acordos multilaterais nunca impediu nenhum país, particularmente os EUA, de buscar negociações regionais ou bilaterais para aprofundar a liberalização dos temas econômicos e comerciais de seu interesse como os três itens mencionados ou o aprofundamento dos acordos alcançados na OMC. Essa foi a agenda do Nafta, da fracassada Alca e dos Tratados de Livre-Comércio (TLCs) dos Estados Unidos com a América Central, Chile, Colômbia e Peru, bem como das negociações mais recentes visando a um Tratado Transatlântico com a União Europeia, de viabilidade complexa, e a Parceria Transpacífica (TPP) mais avançada. Esta última envolve onze países até o momento – Austrália, Brunei, Canadá, Cingapura, Chile, EUA, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã. O ingresso do Japão aguarda a aprovação do Congresso americano. A intenção é concluir os acordos em torno de 24 temas atualmente em discussão até o final de 2013.

O TPP provocará impactos nos países da América do Sul devido ao envolvimento do Chile e do Peru que, além de participarem da Unasul, compõem o chamado Arco do Pacífico Latino-Americano, com a Colômbia e o México desde 2011. Sua participação em uma Zona de Livre-Comércio como o TPP e em diversos TLCs dificultará que saiam da condição de Estados associados ao Mercosul para a situação de membros plenos, pois do contrário favorecerão a prática da “triangulação comercial”.

Desta forma, a integração econômica sul-americana dificilmente será integral e a iniciativa de criação do Arco tornou-se uma questão mais geopolítica do que comercial, pois envolve países que olham preferencialmente para o outro lado do Oceano Pacífico em vez de oriente da Cordilheira dos Andes e que tem em comum TLCs com os Estados Unidos.

Apesar da tradicional dificuldade de avançar a liberalização do comércio em épocas de crise, quando cada país se protege como pode, não há dúvidas de que o governo Obama foi para a ofensiva. Sem abrir mão dos mecanismos de proteção comercial dos quais dispõem, desvalorizou o dólar, favorecendo suas exportações, e partiu para a negociação com a área mais dinâmica da economia mundial atual. O Brasil e o Mercosul que se cuidem.

Kjeld Jakobsen é consultor de Relações Internacionais