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O mundo, tal como o conhecíamos até então, começava a acabar. Não por causa dos filmes, claro.

Trinta anos atrás, entrava em cartaz nos cinemas brasileiros Bye Bye Brasil. A efeméride passa a fazer mais sentido se pensarmos, no mesmo ano de 1979, que Hollywood nos faria ver Alien – O Oitavo Passageiro, Coppola levaria a cabo sua delirante versão da Guerra do Vietnã em Apocalypse Now e um pequeno filme australiano, Mad Max, ganharia as bilheterias globais.

O mundo, tal como o conhecíamos até então, começava a acabar. Não por causa dos filmes, claro. Mas tanto do lado de cá, na esteira do cinema novo e de um cinema de combate e denúncia, como do lado de lá, na matriz hollywoodiana e à margem dela, os sinais de que o mundo estava vivendo um período profundamente distópico eram evidentes.

O cinema americano vinha de uma revitalização provocada por dois movimentos diferentes, mas operados mais ou menos pela mesma turma, a dos nascidos no pós-segunda Guerra. De um lado, Martin Scorsese e Francis Ford Coppola empreenderam a aventura de inventar um cinema de “autor” dentro da indústria. De outro, George Lucas e Steven Spielberg reinventaram o cinema de entretenimento com aventuras espaciais e alienígenas bondosos de olhos azuis.

O cinema brasileiro, por sua vez, depois da explosão criativa do cinema novo, oscilava entre a pornochanchada e os herdeiros do cinema novo, agora encastelados na empresa estatal, a Embrafilme. Vez por outra, saía da estatal um bom filme – e Bye Bye Brasil foi um deles.

Contava a saga de uma caravana mambembe pelo nordeste e norte brasileiros e testemunhava os estragos dos anos do milagre econômico: devastação, miséria, o domínio absoluto da TV. Havia um Brasil na TV, como dizia a excelente canção-tema de Chico Buarque, que era radicalmente diferente daquele país imaginado e almejado pelas forças democráticas na década de 60. Ainda excludente e injusto, o país havia se tornado cínico (e, à época, ninguém personificava melhor esse cinismo do que José Wilker) a respeito da própria sorte.

De certa forma, à época, nos consolávamos pensando que a culpa era da ditadura, mas quando se revê o filme agora, ele surpreende pela agudeza com que captou uma desesperança mais funda, quase como uma inviabilidade constitutiva do país. Ao mesmo tempo, Bye Bye Brasil continua vital, no sentido que escancara a importância de olhar para o Brasil tal como é – diverso e complicado –, e não como gostaríamos que fosse.

Embora produto de um período em que a cultura brasileira olhava excessivamente para o próprio umbigo e sofria de uma mal-disfarçada xenofobia, de alguma forma esse clima de “o sonho acabou e desta vez é de verdade” sintonizava Bye Bye Brasil com o cenário cinematográfico internacional.

Do fronte do entretenimento, as produções alinhadas à ficção científica advertiam dos perigos que nos esperavam. Não haveria esperança em outros planetas, pois de lá viriam seres vorazes e destrutivos, como em Alien, nem nesse mesmo, uma vez que a loucura consumidora de recursos naturais faria a humanidade regredir para um estágio de barbárie e bárbaros, como Mad Max – teríamos de nos transformar.

Mas a grande distopia dos anos 1970 era o filme que trazia em seu título o nome daquilo que estava se passando no imaginário: Apocalypse Now. Revendo, pela primeira vez de forma crítica, a atuação americana na Guerra do Vietnã, Coppola deu o atestado de óbito psicodélico à civilização ocidental. Livremente inspirado em O Coração das Trevas, romance de Joseph Conrad sobre a insanidade do colonialismo britânico, Apocalypse se constitui como uma obra radical, de um pessimismo inteligente, e à qual sempre vale voltar.

Entender como em outros períodos históricos se pensou no final do mundo, ou menos, no encerramento de mundos conhecidos, talvez seja útil nesses tempos em que a crise econômica tem um inegável sabor pré-apocalíptico.

Bia Abramo é jornalista