Colunas | Mundo

Renzi seguirá a agenda neoliberal, conforme apontam as reformas propostas e a própria composição de governo, com PD, NCD e a Escolha Cívica

Desde 2011 a Itália tem sido governada por primeiros-ministros que não foram eleitos pelo povo para o cargo. Agora, mais um, Matteo Renzi, está prestes a dar sequência a essa situação – e, se depender dele, ficará no cargo pelo menos até 2018, prazo máximo legal para a realização das próximas eleições legislativas. Isso é consequência da pressão da União Europeia pela renúncia do primeiro-ministro Sílvio Berlusconi, extremamente desgastado por vários escândalos em 2011, quando a crise europeia atingiu em cheio a Itália, provocando recessão e desemprego. O acordo político articulado então pelo presidente do país, Giorgio Napolitano, foi a indicação de um ministério "técnico" liderado por um comissário europeu, Mario Monti. Este encaminhou o programa de austeridade recomendado pelo FMI e pela União Europeia e se sustentou frente ao governo por praticamente dois anos.

O resultado das eleições parlamentares realizadas em 24 e 25 de fevereiro de 2013 manteve a complexidade da situação política devido às características da legislação eleitoral italiana, na qual o partido ou coalizão partidária mais votado recebe um adicional de cadeiras que lhe permite alcançar a maioria na Câmara de Deputados – mesmo sem obter a maioria dos votos da população e sem precisar se coligar com outros partidos. Conhecido como Porcellum (porcaria), esse mecanismo é uma herança de Silvio Berlusconi, que o criou durante seu primeiro governo, na década de 1990, para favorecer a coligação partidária que o apoiava e assim permanecer no cargo por muito tempo.

Para a composição do Senado, porém, a regra não se aplica, sendo possível o estabelecimento de outra correlação de forças políticas, como ocorreu naquela eleição. Dado o papel dessa casa de propor leis e de alterar as propostas advindas da Câmara, a hegemonia de coalizões políticas diferentes nas duas casas paralisou o governo e barrou a composição do ministério até o final de abril de 2013. Líder da coligação mais votada (quase 30% dos votos) e consequentemente majoritária na Câmara, Pier Luigi Bersani, presidente do Partido Democrático (PD), foi encarregado pelo presidente italiano de montar o governo e buscar sua aprovação no Parlamento.

Apesar de seus esforços e da possibilidade de obter o voto de confiança da Câmara, Bersani não o teria no Senado, devido à oposição da coligação de Berlusconi, formada pelo Partido Povo da Liberdade (PPL) e pela Liga Norte, bem como do Movimento 5 Estrelas, de Bepe Grillo. Em abril foi costurado um acordo político que reconduziu o octogenário Napolitano à Presidência do país e a indicação de Enrico Letta, vice-presidente do PD e com melhor trânsito na direita, para montar o governo, o que ocorreu por meio de uma aliança entre seu partido e Berlusconi, possibilidade recusada por Bersani, além de contar com o apoio do partido Escolha Cívica, de Mario Monti, que alcançou o quarto lugar nas eleições, com cerca de 10% dos votos.

Posteriormente, quando foi condenado em um dos muitos processos que ainda tramitam, Berlusconi ameaçou romper a aliança e derrubar o governo, em clara chantagem sobre o Senado para mantê-lo no cargo. No entanto, Angelino Alfano, indicado por ele como vice-primeiro-ministro na composição de governo, articulou uma divisão dos parlamentares do PPL e formou um novo partido chamado Nova Centro Direita (NCD), o que permitiu preservar a composição do governo, e Berlusconi perdeu seu mandato de senador. A agenda dessa aliança era conservadora e mantenedora da política de austeridade, privatizações, entre outras medidas de cunho neoliberal.

Agora, há menos de um ano à frente do governo, Letta foi substituído na presidência do partido por Matteo Renzi, em uma votação de 136 a 16, e consequentemente renunciou ao governo. O argumento de Renzi para provocar a saída de Letta e assumir seu lugar como primeiro-ministro foi a "imobilidade" de seu governo em promover uma agenda de reformas e retomar o crescimento econômico, apesar de a Itália estar paulatinamente saindo da recessão, embora com altas taxas de desemprego que afetam cerca de 40% dos jovens. Ambos, Letta e Renzi, têm origem na Democracia Cristã, que em 2007 se uniu ao Partido Democrático da Esquerda (ex-PCI) para formar o PD. Mas, como se diz, "o lobo perde o pelo, mas não perde o vício". O ocorrido lembra a prática da "porta giratória" que caracterizou a curta permanência em altos cargos de muitas lideranças da antiga democracia cristã.

Matteo Renzi foi eleito prefeito de Florença em 2009 com apenas 34 anos e tenta apresentar uma imagem comunicativa, jovem e dinâmica. Sua plataforma é reformista, supostamente para lidar com a crise econômica, o desemprego e a instabilidade política da Itália, e sua agenda é a proposição da reforma política, administrativa, tributária e trabalhista. Para alterar o Porcellum, ele pretende reduzir o peso político e o tamanho do Senado. Quanto à questão tributária e administrativa, não esclareceu o que pretende fazer, mas, quando prefeito de Florença, ele simplesmente reduziu impostos municipais. É provável que agora queira fazer o mesmo no nível federal e também deve entrar na agenda a redução do número de servidores públicos. Quanto à reforma trabalhista, ele propõe a simplificação das leis, o que sugere maior flexibilidade para demissões, bem como redução de direitos legais.

Ou seja, apesar de inovar na composição de seu ministério com a escolha de oito mulheres e oito homens, Renzi seguirá a agenda neoliberal, conforme apontam as reformas propostas e a própria composição de governo (PD, NCD e a Escolha Cívica), além de ter obtido elogios de Berlusconi, que apesar da perda de seu mandato continua na presidência do PDL. A escolha do secretário-geral adjunto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Pier Carlo Padoan, como ministro da Fazenda é um claro sinal ao "mercado" e à Comissão Europeia de que a política de austeridade será mantida. E, para finalizar, os dirigentes da NCD deixaram claro que matrimônio de pessoas do mesmo sexo e abrandamento da legislação de migração não entrarão de modo algum na agenda. Pobre Itália!

Kjeld Jakobsen é consultor de Relações Internacionais