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As comissões parlamentares de inquérito se prestarão menos à mera luta política e policialesca e se concentrarão em aperfeiçoar o ordenamento jurídico 

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs), que foram a melhor vitrine para muitos parlamentares, possuem duas dimensões: uma inquisitória e até policialesca, que valoriza o espetáculo, e outra instrumental, que identifica os problemas e propõe soluções. Na primeira dimensão, a CPI perdeu protagonismo para outros órgãos de Estado, mas na segunda seu papel continua imprescindível, especialmente na propositura de mudanças nos marcos regulatórios destinadas a eliminar as brechas ou falhas que originaram a investigação.

De fato, o papel de investigação inquisitorial, com o propósito de indiciamento de pessoas, com praticamente as mesmas prerrogativas antes reservadas apenas a CPIs, foi estendido quase em sua plenitude a órgãos de fiscalização e controle na última década – como Ministério Público da União (MPU), Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria Geral da União (CGU), Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Polícia Federal (PF), Poder Judiciário etc.

Houve mudança de paradigma no combate à corrupção com as leis de transparência, conflito de interesses, acesso à informação, combate à lavagem de dinheiro, responsabilização da pessoa jurídica e delação premiada, entre outras que reduziram a cultura do segredo, como o voto aberto em praticamente todas as deliberações do Congresso.

Nessa nova realidade, os órgãos e instâncias de fiscalização e controle foram empoderados, ganharam autonomia e meios e intrumentos de atuação, passando da condição de instituições de governo para a de instituições de Estado, com seus agentes dotados de independência funcional para o cumprimento pleno das competências atribuídas a eles por lei e pela Constituição. O que é louvável!

É absolutamente natural que quando instituições permanentes com poder de investigação assumem atribuições antes reservadas a órgãos ou instituições de caráter ou com missões temporárias, como é o caso de comissões parlamentares de inquérito, os temas, que antes só frequentavam o noticiário no período de funcionamento da comissão, passem a figurar de forma permanente na mídia, criando a sensação de que houve aumento da prática de irregularidade ou de desvio de conduta.

Além disso, o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter passado a conceder habeas corpus permitindo que os convocados ou convidados pudessem ficar calados durante o depoimento também retirou, em grande parte, o apelo que os parlamentares tinham para promover a luta política nesses espaços. É por isso, em grande medida, que se passou a dizer que muitas CPIs terminaram em pizza, seja porque não prenderam, nem expuseram muitos depoentes, seja porque indiciaram menos pessoas.

Registre-se, ainda, em benefício dessa narrativa, que as investigações conduzidas por servidores de carreira, sem vinculação ou motivação de ordem político-partidária, feitas nos estritos limites legais, e sem vazamentos seletivos, tendem a ser mais efetivas, mais isentas e, portanto, mais confiáveis do que outras com viés de disputa política ou de acerto de contas, como costuma acontecer nas CPIs.

É nesse contexto que se deve ler o novo papel das CPIs, que num passado recente ganhavam destaque por sua dimensão de espetacularizar sessões, com certa fúria persecutória e até achaque a convidados ou convocados, e que agora precisam se credenciar pela capacidade de descobrir as brechas que permitiram desvios de conduta e pela propositura de soluções legais capazes de evitar que essas práticas se repitam no futuro. Nesse particular, seu papel será bem mais nobre, porque se prestará menos à mera luta política e policialesca e se concentrará em aperfeiçoar o ordenamento jurídico.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap