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O desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social e das conquistas dos trabalhadores iniciado por governos neoliberais se acelerou com a crise econômica

O modelo social que se instalou na Europa após a Segunda Guerra Mundial enquadrou o liberalismo econômico, considerado responsável pelo primeiro conflito mundial em 1914, pela crise de 1929 e pela matança ocorrida entre 1939 e 1945, em uma série de regras que incluíram duas questões básicas para os trabalhadores: a proteção social e a negociação coletiva.

Esse pacto realizado entre partidos sociais-democratas e democratas-cristãos, trabalhadores e empresários foi politicamente viabilizado pelo temor da repetição dos fatos que provocaram a Segunda Grande Guerra e se encaixou perfeitamente no modelo de acumulação capitalista adotado na época.

O ambiente também proporcionou a criação da Comunidade Econômica Europeia, que chegou ao atual estágio de União Europeia composto por 27 países, e da união monetária entre quinze de seus membros, bem como o estabelecimento de várias instituições como o Parlamento Europeu e o Conselho Econômico e Social com o objetivo de processar a integração por meios democráticos e com diálogo social.

No entanto, o desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social e das conquistas dos trabalhadores iniciado por sucessivos governos neoliberais na década de 1980 se acelerou durante a atual crise econômica. A isso se soma o desaparecimento da solidariedade e da coesão social que marcaram certos períodos da integração europeia, além de haver sérios retrocessos na própria democracia.

As medidas de contenção de despesas públicas adotadas de modo geral no continente implicaram graves limitações às políticas de saúde pública, proteção dos idosos e do seguro-desemprego. Mas, nos países mais vulneráveis à pressão da “Troika”, formada por Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI, os ajustes foram dramáticos. Na Grécia, Portugal, Irlanda, Itália e Espanha, além da eliminação ou redução significativa dos mecanismos de proteção social existentes, aumentou a demanda por medidas de proteção devido ao crescimento brutal do desemprego, que somente na Grécia e Espanha já supera os 20% e, no caso dos jovens, chega a 40%, além da queda na renda. Segundo o Eurostat, 8% da PEA europeia se encontra hoje em extrema pobreza.

A demissão de milhares de servidores públicos em toda a Europa, a redução dos salários daqueles que permanecem empregados e das pensões serão implementadas unilateralmente sem qualquer tipo de negociação com os sindicatos. Na Espanha, os contratos temporários sem encargos sociais introduzidos pelos governos anteriores foram agora acrescidos de nova reforma trabalhista pelo governo do PP, reduzindo em até 70% o valor de indenizações por demissão.

Também unilateralmente as empresas podem reduzir salários, modificar jornadas de trabalho, horários, turnos, entre outras medidas, por motivos “técnicos, econômicos, organizativos ou produtivos” se houver queda no faturamento por dois trimestres seguidos, bastando comunicar a decisão aos trabalhadores, individualmente, com quinze dias de antecedência.

Costuma-se dizer que “crise também é oportunidade”. No caso europeu, a oportunidade é para empresas, bancos e especuladores, devido às reformas trabalhistas e sociais mencionadas e ao desvio de recursos públicos para saldar o pagamento de dívidas bancárias e taxas de juros crescentes. Para os trabalhadores, sindicatos e instituições democráticas, porém, a crise é simplesmente crise – e das mais graves.

Os sindicatos têm procurado resistir com manifestações e greves gerais, sem no entanto conseguir barrar o processo. Além da dificuldade de mobilização em tempos de desemprego, ironicamente os anos de concerto social com base na negociação coletiva permanente, que os neoliberais agora propõem extinguir, provavelmente contribuíram para evitar radicalizações.

A Troika, influenciada principalmente por Alemanha e França, agora centraliza todas as decisões econômicas na Europa e impõe suas regras aos países que dependem de ajuda financeira, sem abrir espaços para atuação de instituições democráticas como o Parlamento Europeu ou instituições nacionais. O último golpe na democracia e soberania gregas, por exemplo, é a pressão pelo adiamento de suas eleições parlamentares, previstas para março, para assegurar a continuidade do governo de coalizão liderado por Lucas Papademos, comprometido com o ajuste estrutural e o pagamento das dívidas com os bancos franceses e alemães.

A integração europeia, sempre considerada o modelo mais avançado entre as várias experiências existentes, agora se revela um processo submetido exclusivamente aos interesses de setores empresariais por meio da centralização exercida pela Comissão Europeia, mas alguns empresários já começam a manifestar maior interesse em se associar aos Brics que em continuar investindo na União Europeia.

Kjeld Jakobsen é consultor de Relações Internacionais