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Ao eleitor caberá decidir entre a calibragem e pacificação do país e os extremos, abrindo espaço para retrocesso em conquistas do processo civilizatório

No primeiro turno das eleições gerais de 2022 já foram eleitos os 513 deputados federais, os 1059 deputados estaduais, os 27 senadores e os governadores de 15 unidades da federação, ficando para decisão em segundo turno o governo de doze estados e o presidente da República, cuja disputa se dará entre Lula e Bolsonaro. O resultado do legislativo federal seguiu a máxima de Ulisses Guimarães, segundo a qual “o próximo Congresso será sempre pior que o anterior”. Nunca se elegeu, proporcionalmente ao número de vagas em disputa, um Senado com uma quantidade de senadores de direita e reacionário nem um número tão significativo de deputados federais de extrema-direita em período democrático como neste pleito de 2 de outubro.

Nesta coluna vamos tratar essencialmente do índice de renovação das duas Casas do Legislativo Federal – Câmara e Senado – da composição partidária dos Legislativo Federal, do perfil/ideologia dos eleitos, da governabilidade, da cláusula da barreira e da disputa para o segundo turno da eleição presidencial.

O índice de renovação da Câmara dos Deputados, conforme havíamos antecipado na coluna de julho de 2022, foi abaixo da média histórica, girando em torno de 44%. Dos 513 deputados, 446 tentaram a reeleição e, destes, 287 renovaram seus mandatos, representando um índice de aproveitamento dos candidatos à reeleição da ordem de 65%.

Os partidos com melhor desempenho eleitoral foram o PL e o PT, primeiro e segundo colocados em número de votos e de cadeiras na Câmara dos Deputados, que, juntamente com o União Brasil, formam o bloco dos grandes partidos, aqueles cujas bancadas superam 50 deputados. No grupo dos partidos médios, com bancadas entre 25 e 50 deputados, estão o PP, o Republicanos, o MDB e o PSD. No grupo dos partidos pequenos, com entre 6 e 24 deputados, estão a Federação do PSDB/Cidadania, o PDT, o PSB, a federação Psol/Rede, o Podemos, o Avante e o PSC. Na categoria de nanicos, com menos de seis (1 a 5) deputados estão: Patriota, Solidariedade, Pros, Novo e PTB, conforme tabela a seguir.

Composição da Câmara

Partido Como é Como ficará Variação
PL 77 99 + 22
Fed. PT/PCdoB/PV1 68 81 + 13
União 50 59 + 9
PP 58 47 - 11
Republicanos 45 40 - 5
MDB 37 42 + 5
PSD 46 42 - 4
Fed. PSDB/Cidadania2 29 18 - 11
PDT 19 17 - 2
PSB 23 14 - 9
Fed. PSol/Rede3 10 14 + 4
PODE 9 12 + 3
Avante 6 7 + 1
PSC 8 6 - 2
PATRIOTA 5 4 - 1
SOLIDARIEDADE 8 4 - 4
PROS 4 3 - 1
NOVO 8 3 - 5
PTB 3 1 - 2

 1. PT (subiu de 56 para 69), PCdoB (caiu de 8 para 6) e PV (subiu de 4 para 6); 2. PSDB (caiu de 22 para 13) e Cidadania (caiu de 7 para 5);  3. PSol (subiu de 8 para 12) e Rede (manteve 2)

No Senado, onde apenas 27 das 81 vagas estavam em disputa, e somente seis renovaram seus mandatos, levando à eleição de 21 “novos”, o que representa um índice de renovação de 78% em relação às vagas em disputa e de 26% em relação ao total da Casa Legislativa. Em termos absolutos, os partidos com melhor desempenho foram, respectivamente, o PL, o União Brasil, o PT e o Republicanos, conforme tabela a seguir.

Composição partidária do Senado

Bancada Como é Como Ficará Variação
PL 7 15 + 8
PSD 12 11 - 1
União 9 10 + 1
PT 7 9 + 2
MDB 13 9 - 4
PODE 8 6 - 2
PP 7 6 - 1
PSDB 6 4 - 3
PDT 3 3 Neutra
Republicanos 1 3 + 2
PROS 2 1 - 1
PTB 2 0 - 2
PSB 1 1 Neutra
REDE 1 1 Neutra
Cidadania 1 1 Neutra
PSC 1 1 Neutra

Ideologicamente, a nova composição da Câmara dos Deputados estará mais à direita do espectro político que a atual. Apesar de um pequeno crescimento da esquerda, a Câmara terá uma maioria de centro-direita, hegemonizada pelos partidos do Centrão, que inclui o núcleo duro de Bolsonaro (PL, PP e Republicanos) e seus aliados no Parlamento, como o União Brasil e o PSD, ainda que sob a alcunha de independentes. Seu perfil continuará liberal, do ponto de vista econômico, fiscalista, do ponto de vista de gestão, e atrasado em relação aos direitos humanos, sobretudo pelo crescimento das bancadas de segurança e evangélica, ambos com visão penalista.

O Senado, até mais que a Câmara, deu uma guinada para a direita. Basta dizer que foram eleitos vários ex-integrante do governo Bolsonaro, que chegam com a missão de defender a pauta de costumes, da segurança pública e do “enquadramento” do Supremo Tribunal Federal, agravando o quadro que já havia se estabelecido em 2019. A tropa de choque inclui o atual vice-presidente da República, general Hamilton Moura (Republicanos/RS), a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves (Republicanos/DF), Sérgio Mouro (União Brasil/PR), ex-ministro da Justiça, o ex-secretário nacional de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif (PL/SC), a ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina (PP/MS), o ex-ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho (PL/RN), além de aliados do governo Bolsonaro, como Magno Malta (PL/ES), dentre outros.

A cláusula de barreira instituída em nossa legislação eleitoral, com a exigência de desempenho igual ou superior a 2% do eleitorado nacional, com pelo menos 1% em um terço dos estados ou a eleição de onze deputados federais em pelo menos em nove unidade da federação, ajudou a depurar o quadro partidário, sem prejudicar os pequenos partidos ideológicos, que optaram por formar federação para disputar a eleição.

Dos 32 partidos registros no TSE, 23 partidos elegeram deputados federais neste pleito, mas apenas treze, incluindo as federações, atingiram a cláusula de barreira: PL, PT/PCdoB/PV, União Brasil, PP, PSD, MDB, Republicanos, PSDB/Cidadania, PDT, PSB, PSol, Avante e Podemos. Dos dez restantes, quatro foram salvos por pertencerem a federação partidária (PCdoB, PV, Cidadania, Rede), e seis não atingiram a cláusula de barreira (PSC, Patriota, SD, Pros, Novo e PTB), ficando privado do direito aos recursos do fundo partidário e do acesso gratuito ao rádio e à televisão, o chamado horário eleitoral gratuito.

A redução do número de partidos, materializando menor número de partidos efetivos desde 2014, facilita a governabilidade do chefe do Poder Executivo, na medida em que ele terá que negociar com menos agremiações para formar maioria no Parlamento. Esse enxugamento da quantidade de partidos com representação na Câmara dos Deputados decorre, de um lado, do fim das coligações eleições proporcionais e da exigência de desempenho mínimo dos partidos (80% do quociente eleitoral) para a conversão de votos em mandatos, e, de outra, da chamada cláusula de barreira, cuja consequência será forçar os partidos que não tiveram o desempenho eleitoral exigido a fazerem fusão com outros partidos ou a se incorporarem a federações partidárias existentes.

O pêndulo do Congresso Nacional, mais à direita ou ao centro, dependerá do presidente a ser eleito em 30 de outubro. É que, como regra, as políticas públicas propostas ou apoiadas pelo chefe do Poder Executivo e seu governo costumam pautar ou referenciar as deliberações do Poder Legislativo. Tem sido assim historicamente, exceto em governos fracos. Assim, se o presidente eleito for Lula, mesmo com um Congresso Nacional com composição mais à direita do espectro político, é possível trazê-la mais para o centro, como, aliás, já fez quando governou o país no período de 2003 a 2010. Entretanto, se o eleito for Bolsonaro, a tendência é que o Congresso vá para a extrema-direita, apoiando suas pautas de costumes e de desmonte do Estado e dos direitos sociais, ou até mesmo apoiando reformas que restrinjam a atuação do STF e dos movimentos sociais. Não é por menos que muitas figuras de destaque na sociedade e do meio político, que jamais se posicionaram como “de esquerda”, estão manifestando apoio a Lula, em defesa da democracia.

Portanto está nas mãos dos eleitores, no segundo turno, o futuro das políticas públicas brasileiras. Elas serão mais equilibradas, mais ao centro do espectro político, se Lula for eleito, ou mais extremadas para a direita, se Bolsonaro for reeleito. O eleitor é que irá decidir se deseja calibragem e pacificação do país ou se deseja ir para os extremos, abrindo espaço para retrocesso em conquistas do processo civilizatório.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. Ex-diretor de Documentação do Diap, é sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”