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Apesar da participação de organizações sociais e sindicatos nos levantes do início do ano, nas recentes eleições os vitoriosos foram os partidos islâmicos

As mobilizações pró-democracia no norte da África e no Oriente Médio culminaram em duas situações distintas até o momento. Transformaram-se em conflitos abertos e próximos de guerras civis, com interferência externa por interesses econômicos e geopolíticos da Otan, Turquia e principalmente Arábia Saudita, em países como Líbia, Síria, Bahrein e Iêmen, e se encontram ainda inconclusivas politicamente. Já na Tunísia, onde tudo começou em dezembro de 2010, no Egito, cuja ditadura caiu em seguida, e no Marrocos, onde o rei Mohammed VI preferiu perder alguns (poucos) anéis para não perder os dedos, acabaram de ocorrer eleições de novos Parlamentos sob condições democráticas e limpas.

No entanto, o principal problema para que a Primavera Árabe não avançasse mais na construção democrática, justiça social e soberania nacional foi a ausência de uma sociedade civil mais organizada. Na Tunísia, no Egito e no Marrocos houve participação de sindicatos e outras organizações sociais nos levantes do começo do ano e nos desdobramentos, mas as forças sociais que tinham maior peso eram as de caráter religioso. Isso explica por que os vitoriosos nas recentes eleições foram os partidos islâmicos.

Na eleição ocorrida na Tunísia em 24 de outubro sagrou-se vencedor o Partido Enahda, agrupamento islâmico banido da vida política do país durante a ditadura de Ben Ali, que elegeu noventa deputados de um total de 217. Em seguida vieram os partidos Congresso pela República, de centro, com trinta deputados; e o Fórum Democrático do Trabalho e Liberdades, social-democrata, com 21. Os demais 76 parlamentares são representantes de várias legendas, incluindo o Partido Comunista, que elegeu um deputado.

O Parlamento deverá propor uma nova Constituição no prazo de um ano e os três partidos majoritários se compuseram para formar o novo governo e indicar os ministros. O primeiro-ministro agora é Hamadi Jbeli, do Enahda, o presidente do país foi indicado pelo Congresso e o presidente do Parlamento pelo Fórum.

No Marrocos, o rei tomou a iniciativa em junho de alterar a Constituição para abrir o regime e aproximá-lo de uma monarquia parlamentar, a fim de neutralizar as manifestações pró-democracia. Embora o primeiro-ministro e o Parlamento tenham passado a administrar a economia e outros assuntos internos do país, o rei manteve a tutela do regime ao seguir dirigindo as relações exteriores, as forças armadas e os serviços de inteligência.

O partido vencedor das eleições parlamentares, em 20 de novembro, foi o Justiça e Desenvolvimento, também de caráter islâmico, que elegeu 107 deputados de um total de 395 possíveis. Seu líder, Abdelilah Benkirane, foi convidado em seguida pelo monarca para ser o primeiro-ministro e formar o governo, o que será feito em composição com outros partidos, ainda em negociação.

O Justiça e Desenvolvimento atua desde os anos 1960 e sempre foi próximo da família real. Seu programa é conservador e favorável ao livre-comércio, a privatizações e à liberalização de investimentos externos.

No Egito, a situação é mais complicada, pois os militares continuam dando as cartas, atuando para desmontar as organizações da sociedade civil que participaram das mobilizações da Praça Tahrir, postergando o cronograma eleitoral acordado após a queda de Mubarak e tentando construir regras que lhes permitam ter poder de veto sobre o processo político.

Recente retomada das mobilizações, enfrentadas pelas autoridades militares com violência e 42 mortes, reiterou a necessidade de acelerar o cronograma da transição democrática. Ao mesmo tempo houve a primeira rodada de eleições parlamentares, com a eleição de 168 deputados. O processo eleitoral ocorrerá em três regiões, com intervalos de seis semanas, e terminará em janeiro, para compor as 498 cadeiras do Parlamento, que deverá elaborar a proposta de uma nova Constituição. O vencedor da primeira eleição foi o partido Liberdade e Justiça, que representa o agrupamento islâmico Irmandade Muçulmana. Pela esquerda concorre uma coalizão chamada Aliança Popular Socialista.

Essa ascensão de partidos islâmicos ao governo não deverá alterar o laicismo existente, pelo menos, na Tunísia e no Marrocos, mas no Egito ainda é incerto. A política econômica tenderá ao neoliberalismo e, no caso egípcio, deverá haver um esfriamento das relações com Israel.

Kjeld Jakobsen é consultor em Cooperação e Relações Internacionais