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As forças de esquerda e centro-esquerda precisam ganhar a eleição para pacificar e reconstruir o país, para isso, na campanha, devem evitar o reducionismo e o sectarismo

As eleições gerais de 2022 vão acontecer num ambiente de muita polarização e, na dimensão presidencial, terá caráter plebiscitário, com a disputa de legados e de visão de mundo entre o atual presidente da República, representando as forças de extrema-direita, e o ex-presidente Lula, que representa majoritariamente as forças de esquerda/centro-esquerda, ambos com forte apoio popular. Isto requer uma abordagem diferenciada por parte das candidaturas da esquerda/centro-esquerda para agregar votos, especialmente do centro político, dos jovens, dos evangélicos, dos pobres e das mulheres, que são os públicos que irão definir as eleições no país.

Em ambientes polarizados como o que vivemos não há espaço para uma terceira via. Logo a disputa, na eleição presidencial, se dará entre Lula (oposição) e Bolsonaro (situação), e no Congresso Nacional entre três grupos de partidos políticos, com vantagens para os dois primeiros: 1) o governista, liderado pelo Centrão, que reúne neste pleito a direita fisiológica e também a extrema-direita ideológica e antidemocrática; 2) o de oposição programática, liderado pela esquerda e o centro-esquerda; que representa uma visão social e de defesa da democracia; e 3) o independente ou governista envergonhado, liderado pela terceira via, que representa um conjunto difuso de liberais e fisiológicos.

Do ponto de vista retórico, o primeiro e o segundo grupos serão claros em seus discursos e o terceiro terá uma postura dúbia. Nessa perspectiva, o primeiro grupo, liderado pelo Centrão, assumirá a pauta conservadora e de extrema-direita; o segundo, liderado pela esquerda e centro-esquerda, apresentará uma visão social e desenvolvimentista, e o terceiro grupo, liderado pela terceira via, se dividirá entre as duas primeiras visões, porém mais próxima da primeira e promoverá a defesa da pauta do mercado para tentar se diferenciar dos dois.

Os governistas, compostos pelas forças conservadoras e à extrema-direta do espectro político, irão explorar valores éticos, morais e religiosos da população, atribuindo à oposição de esquerda a responsabilidade pela degradação de famílias, pela negação da fé-cristã, pela defesa do aborto e da união homoafetiva, pela ausência de probidade no exercício de funções públicas e pela prática e condescendência com a corrupção e os desvios de conduta.

A terceira via, que também representa as forças de mercado, por outro lado, vai condenar a postura antidemocrática da extrema-direita e, somando-se a ela, tentar atribuir à esquerda uma suposta postura de irresponsabilidade no controle do gasto e da inflação, bem como de intervencionista na economia, acusando-a de ser perdulária do ponto de vista fiscal e de inibir o investimento privado com edição de marcos regulatórios, que supostamente irão interferir na gestão e nos lucros dos negócios privados, além de aumentar a carga tributária.

As forças de esquerda e centro-esquerda, por sua vez, terão duplo desafio. De um lado, promover a defesa de seu programa de governo, com foco na democracia, na ascensão social e no desenvolvimento econômico, e, de outro, denunciar o caráter autoritário e antidemocrático da extrema-direita e das forças conservadoras, ao mesmo tempo em que buscarão se defender das acusações das forças reacionárias, da terceira via e das forças de mercado.

Portanto, a oposição de esquerda e centro-esquerda têm o desafio não apenas de mostrar as mazelas do governo da extrema-direita e os equívocos dos liberais e fisiológicos, também representados pela terceira via, mas, principalmente, transmitir esperança e confiança ao povo brasileiro. Confiança de que o status quo mudará para melhor e esperança de que o novo governo e sua equipe serão capazes de implementar seu programa de governo. Além disso, precisa deixar claro que, diferentemente das forças de extrema-direita e antidemocráticas, não quer assumir o poder para fazer acerto de contas nem perseguir adversário, mas para fortalecer a democracia e criar as condições para a retomada do desenvolvimento econômico e social, com distribuição de renda e inclusão.

Para que seja bem-sucedida, a oposição de esquerda e centro-esquerda precisa ter clareza de que os reacionários e os extremistas de direita contagiaram/envenenaram muita gente com o discurso de ódio e isso não se desfaz rapidamente, porque o fizeram manipulando os sentimentos e valores mais profundos e sagrados das famílias. Para se ter ideia da dimensão disso, basta dizer que a maioria das pessoas carentes, que são bombardeadas diariamente com acusações de que as esquerdas e o PT são inimigos da família e da religião, têm exatamente na família e na igreja seus pilares fundamentais de relações sociais. Então, para dialogar com esse contingente de eleitores, é necessária uma abordagem muito cuidadosa e respeitosa, pois se trata de pessoas com enorme assimetria de informação e que estão sendo manipuladas de um modo tal que contestar diretamente suas crenças só reforça suas atuais convicções.

Assim, a abordagem deve evitar, de um lado, o confronto direto porque ele impacta a autoestima e só reforça as convicções dos que são confrontados, e, de outro, deve priorizar a apresentação de solução para os problemas, que o atual governo não resolveu no presente nem irá resolver no futuro, que afetam negativamente os interesses da maioria deste país, especialmente dos jovens, das mulheres e dos mais pobres.

Nessa perspectiva, a jornalista Maria Cristina Fernandes, em artigo no Valor Econômico do dia 28/04/2022, sob o título “Expor o mau governo para calar o golpismo”, fornece uma espécie de roteiro para desconstrução do governo Bolsonaro, apontando os principais desacertos dos primeiros 1460 dias da atual gestão presidencial. Outro jornalista, Bernardo Mello Franco, em texto no jornal O Globo de 1º de maio, sob o título “A tática do abafa”, chama a atenção para a necessidade de debater os temas que importam: carestia, retorno da fome, abandono da juventude nas periferias, além da precarização do trabalho, dentre outros pontos que expressam a realidade que o governo pretende abafar com suas manobras diversionistas.

Portanto, aceitar a provocação da extrema-direita, assumindo o debate da pauta proposta por ela, será um enorme equívoco da esquerda e centro-esquerda, porque ficará na defensiva e isso só reforça as convicções, tanto de quem apoia o governo, quanto dos que resistem à oposição de esquerda por temer que ela vá governar contra seus princípios e valores.

Nos Estados Unidos, na eleição para a Câmara dos Deputados, ocorrida no meio do mandato do ex-presidente Donald Trump, e posteriormente na tentativa de reeleição dele, quando o clima era muito parecido com este que vivemos no Brasil, os democratas saíram vitoriosos contra os republicanos porque adotaram uma tática de simplesmente ignorar a pauta dos trumpistas, evitando falar sobre os temas por eles defendidos, focando o discurso nos assuntos de interesse da maioria dos norte-americanos, como: a) plano de saúde, gratuito ou subsidiado, para os mais pobres; b) respeito e proteção às mulheres, aos negros e aos imigrantes; c) defesa do emprego e do aumento do valor da hora trabalhada, para os trabalhadores; e d) redução das dívidas dos estudantes e subsídio estatal à educação dos jovens.

Em conclusão, as forças de esquerda e centro-esquerda precisam: ter clareza da divisão do país; ganhar a eleição para pacificar e reconstruir o país; e, para tanto, na campanha eleitoral devem evitar o reducionismo (enquadrar tudo num único slogan) e o sectarismo (achar que somente seu pensamento é correto). Para alcançar esses objetivos, são necessárias paciência e perseverança, além de discurso e abordagens focados nas reais necessidades do povo, acompanhadas de propostas para solução dos problemas que afligem a maioria. Devem evitar confrontar a narrativa da extrema-direita, inclusive para não valorizá-la, porque ela, além de fugir do debate de política pública, só sabe provocar os instintos mais primitivos das pessoas contra seus supostos inimigos e acusar terceiros (esquerda, STF e governadores) por impedi-la de governar, como forma de encobrir sua incapacidade de resolver os graves problemas do país.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, mestre em Políticas Públicas e Governo (FGV), consultor e analista político em Brasília. Foi diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e é socio das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”