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Ao escolher um candidato, o eleitor contratará uma das seguintes visões de gestão do Estado: de bem-estar social; patrimonialista e autoritária; repressora e penalista; ou liberal e fiscal

Nas eleições gerais deste ano, o eleitor, ao escolher um candidato presidencial, consciente ou inconscientemente, contratará uma das seguintes visões de gestão do Estado: 1) de bem-estar social; 2) patrimonialista e autoritária; 3) repressora e penalista; ou 4) liberal e fiscal.

A primeira pressupõe uma visão de Estado capaz de garantir, diretamente ao cidadão, o fornecimento de bens e serviços − assegurando o acesso à saúde, educação e segurança gratuitas − e, indiretamente, promover igualdade de oportunidades para que as pessoas possam ascender econômica, cultural e socialmente. Pressupõe, ainda, equilíbrio na relação entre uma sociedade civil ativa e diversa, um mercado economicamente competitivo e produtivo e um governo eficaz e responsável.

O principal representante dessa primeira visão é o ex-presidente Lula, que já a praticou nas duas vezes em que exerceu a Presidência da República. Com variações, também poderia representar essa visão de mundo, o presidenciável Ciro Gomes, do PDT.

A segunda visão traz como consequência uma gestão a serviço de castas, com fundamento na crença e nas tradições, no qual o governante age com poder despótico, como se fosse o proprietário do orçamento, dos cargos e dos bens públicos. Nesse tipo de visão não há respeito às instituições estatais nem transparência e accountability, porquanto prevalece o aparelhamento e o uso do poder e dos recursos públicos em benefícios pessoal do governante, de seus familiares e seguidores. São inerentes a esse modo de governar, o desmonte, o autoritarismo, a perseguição a adversários políticos, a ineficiência, a má-gestão, a incompetências e os desvios de finalidades das funções estatais.

Essa prática governamental, nefasta sob todos os pontos de vista, continuará sendo representada na eleição de 2022 pela candidatura à reeleição de Bolsonaro. Em 2018, ele foi eleito num clima de polarização, de grande conflagração nacional e forte rejeição ao sistema político e suas práticas, impulsionado pelo movimento moralista-justiceiro da Lava-Jato e beneficiado pelo ambiente político que favorecia um candidato com estilo mobilizador e confrontador como o dele. Na oportunidade, se apresentou como salvador da pátria, caçador de corruptos e defensor da economia de mercado, mas no exercício da Presidência da República praticou um verdadeiro “estelionato eleitoral”. Em sua gestão, além de se render ao sistema e buscar apoio no Centrão para evitar um processo de impeachment, o presidente marcou seu mandato pelo autoritarismo, pelo desmonte das instituições do Estado e das políticas públicas nas áreas de meio ambiente, direitos humanos e políticas sociais.

A terceira visão, tão ou até mais nefasta e retrógada que a segunda, pressupõe a penalização, a disciplina, a repressão e a criminalização da pobreza sobre as políticas sociais, sobre a tolerância, sobre a paz, sobre a dignidade da pessoa humana. É uma visão de Estado policial em detrimento do Estado social. Ou seja, é um modelo de gestão que substitui o Estado provedor, prestador de serviços públicos, por um Estado repressor. Significada o completo desvirtuamento da razão de existir do Estado, que consiste no combate às desigualdades, regionais e de renda, e na oferta de oportunidades e de acesso a bens e serviços gratuitamente a todos, especialmente aos mais pobres e necessitados. Esse tipo de visão tem como consequência o aumento do encarceramento e da repressão criminal, do preconceito e da intolerância, com o condicionamento do exercício de direitos à “conformidade” com a ordem pública, mas com foco nos pobres, nas minorias, nos excluídos, nos que vivem na informalidade e à margem do sistema.

Na eleição presidencial de 2018, o defensor único desse tipo de visão foi Bolsonaro, mas para o pleito de 2022 o principal representante dessa forma de governar será Sérgio Moro, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro. A pauta dessa candidatura, ainda que retoricamente proponha outras políticas públicas, é essencialmente moralista-justiceira, numa espécie de reedição da operação Lava Jato. Sua visão é fundamentalista e intransigente, pois acha que na Presidência da República terá os poderes e prerrogativas de juiz, que consiste em sentenciar e ser obedecido.

A quarta e última visão é a liberal e fiscal, que, de um lado prioriza o capital, o livre mercado e a livre iniciativa, com a retirada do Estado da exploração da atividade econômica, e, de outro, busca reduzir ou suprimir os serviços públicos e as políticas sociais. Trata-se de uma opção político-econômica de cunho essencialmente individualista, e que nega a solidariedade como princípio da ordem social. Esse, aliás, foi o modelo colocado em prática pelo governo Temer e tentado pelo governo Bolsonaro, mas que fracassou parcialmente. Nele, além da retirada do Estado da prestação de serviços e da exploração da atividade econômica, a variável de ajuste é a redução do gasto público, especialmente com políticas sociais destinadas aos mais pobres, que são as mais abrangentes e volumosas, como a previdência, a assistência social, o seguro-desemprego, o abono salarial, entre outras.

Essa visão de mundo será representada pelo atual governador de São Paulo e candidato do PSDB à Presidência da República, João Doria. Seu principal assessor e conselheiro econômico é Henrique Meirelles, ex-ministro de Michel Temer e autor da proposta do teto de gasto. Dória fará de tudo para se credenciar como terceira via entre Lula e Bolsonaro, buscando agradar à Faria Lima, que representa o capital financeiro do país. Uma eventual candidatura do partido Novo também irá compartilhar integralmente dessa visão.

As candidaturas dos senadores Rodrigo Pacheco (PSD) e Simone Tebet (MDB), por sua vez, estariam divididas entre a primeira e a quarta visão, porém mais próximos desta do que daquela. Embora menos fiscalistas que Doria, essas duas candidaturas apoiaram o ajuste fiscal dos governos Michel Temer e Bolsonaro.

Em apertada síntese, pode-se dizer que o primeiro modelo de gestão do Estado prima pela dignidade do ser humano e pela paz social. O segundo prioriza a demolição ou o desmonte das instituições, para que prevaleça a vontade do governante. O terceiro faz do aparelho repressor contra os pobres a prioridade do Estado, substituindo a construção de escolas pela construção de presídios. E o quarto prioriza a venda do patrimônio público, a retirada do Estado da prestação de serviços, a redução do gasto público e a abertura da economia ao capital estrangeiro, sem maiores preocupações com o interesse nacional.

Essas são as visões de gestão e do próprio papel do Estado de cada uma das candidaturas apresentadas. Ou o eleitorado brasileiro analisa o que representa cada uma delas para sua vida e a de seus familiares ou responderá pelas consequências de uma escolha que represente retrocesso social e civilizatório/humanitário, como ocorre no atual governo. Debater a visão de mundo e as propostas dos candidatos e de seus grupos de apoio é fundamental para que o eleitor vote de forma consciente, o que pressupõe saber as vantagens e desvantagens de suas escolhas.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, mestre em Políticas Públicas e Governo pelo FGV. Ex-diretor de Documentação do Diap, é analista e consultor político em Brasília