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A reunião do agrupamento em março teve caráter inusitado. Além de temas econômicos, adotou posições sobre assuntos como segurança e governabilidade mundial

A demanda pela democratização da governança mundial e pelo fortalecimento do sistema multilateral por meio de maior participação dos países que representam potências médias é uma proposta do PT há muito tempo. A articulação entre vários desses países em torno de interesses comuns começou a ser trabalhada pelo governo Lula em iniciativas como o Ibas (Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul), o G-20 na OMC, o G-20 financeiro e, desde 2009, anualmente nas Cúpulas de Chefes de Estado do Brasil, Rússia, Índia e China, países aos quais se somou a África do Sul em 2011, formando o agrupamento Brics.

A sigla Bric foi utilizada pelo economista norte americano Jim O’Neill em artigo escrito em 2001 ao se referir a quatro economias emergentes não filiadas à OCDE, Brasil, Rússia, Índia e China. Sua transformação em um agrupamento internacional se deu inicialmente em torno do potencial econômico que poderia representar. De fato, em 2002 o comércio intra Brics que em 2002 era de apenas US$ 27 bilhões, no final de 2011 já  era dez vezes maior. Do Brasil com esses países, era da ordem de US$ 10 bilhões em 2003 e em 2011 fechou em US$ 96 bilhões.

Entretanto, a China responde por quase 80% desses valores. Por isso, na visita oficial que a presidenta Dilma fez à Índia às vésperas da IV Cúpula do Brics em Nova Délhi, foi acertada a intenção de elevar as transações entre os dois países dos atuais US$ 9,2 bilhões para US$ 15 bilhões em 2015.

Esta Cúpula de Chefes de Estado, intitulada “Parceria para a Estabilidade Global, Segurança e Prosperidade”, realizada em 29 de março, teve um caráter inusitado. Além de tratar de temas econômicos, adotou posições em torno de assuntos como segurança e governabilidade mundial. Do ponto de vista do realismo político, isso faz muito sentido, pois o território dos Brics cobre 26% do planeta, detém 43% da população e 46% da força de trabalho do mundo. A previsão é que o bloco responda em 2012 por 56% do crescimento econômico mundial.

A possibilidade de coordenação de posições sobre a política mundial se fortaleceu a partir de 2011, quando os cinco países compartilharam mandatos no Conselho de Segurança da ONU, no qual apenas China e Rússia são membros permanentes com poder de veto. Neste encontro, o debate girou em torno de Líbia, Síria e Irã, que estavam e continuam sendo pressionados pelos países membros da Otan, A Declaração Final da IV Cúpula reitera a postura favorável à construção da paz no Oriente Médio e à busca da solução para os conflitos na Síria e no Afeganistão, bem como para as controvérsias do programa nuclear iraniano por meios pacíficos.

O documento também tece críticas à excessiva liquidez e volatilidade de capital promovida pelos Bancos Centrais dos países desenvolvidos, que, em vez de contribuir para sua recuperação econômica, tem provocado instabilidade monetária nos demais, como vem ocorrendo de modo mais intenso na África do Sul e no Brasil. Diante dessa questão, os Brics se propuseram a intervir coordenadamente na próxima reunião do G-20 financeiro, agendada para junho, no México, além de reivindicar maior velocidade na mudança do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial acordada em 2010. Em relação ao pedido do FMI para os Brics lhe aportarem maiores recursos, sua posição foi que esse aporte depende de maior confiança na eficiência do fundo, vinculada, por sua vez, à ampliação do poder de decisão dos países em desenvolvimento na instituição.

Outra decisão importante foi criar um grupo de trabalho intergovernamental para avaliar e propor a constituição de um Banco de Desenvolvimento dos Brics. O grupo deverá reportar a respeito do tema na V Cúpula, em 2013, na África do Sul.

Nesse momento de incertezas e insegurança geradas pela crise econômica nos países centrais com profundos desdobramentos sociais e políticos, o agrupamento Brics tem papel importante, embora nunca se deva esquecer que é um conjunto de países muito distintos. Grosso modo, situam-se em quatro continentes diferentes, três deles – Rússia, Índia e China – possuem armas atômicas e os dois primeiros são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. O sistema político e os interesses individuais também se diferenciam. Dessa forma, no caso do Brasil, é importante combinar essa articulação com outras iniciativas como a Unasul e, principalmente, o Fórum Ibas, que se encontra muito avançado tematicamente, possuindo inclusive um fundo para cooperação com terceiros países, como a Palestina e o Haiti.

Kjeld Jakobsen é consultor em Cooperação e Relações Internacionais