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É preciso dialogar com o centro democrático e atrair esses aliados potenciais na luta contra a agenda neoliberal

Os setores de esquerda — incluindo partidos e movimentos sociais, estudantis, sindicais e populares, setores da igreja e da intelectualidade — têm três enormes desafios a curto e médio prazos: promover e estimular a formação política; melhorar a comunicação institucional e interpessoal; e ter sempre proposta alternativa ao que critica ou se opõe.

O primeiro desafio é o de qualificar os seus quadros — dirigentes, militantes e ativistas — para o enfrentamento da agenda do Consenso de Washington, que esteve suspensa no Brasil durante os 13 anos de governos do PT.

O passo inicial nessa direção é conscientizar os cidadãos, mediante cursos, seminários e oficinas, sobre o papel de cada um dos três setores do sistema social: o Estado, como primeiro setor; o mercado, como segundo; e a sociedade, como terceiro setor.

Esclarecer que, dependendo da visão de mundo de quem esteja à frente do aparelho de Estado, poderá direcionar os poderes (coercitivos, de legislar e de tributar) do Estado para combater desequilíbrios, promover justiça e inclusão social ou para punir os mais vulneráveis.

As cartilhas editadas pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), “Noções de Política e Cidadania no Brasil”, “Análise de Conjuntura”, “Relações Institucionais e Governamentais” e “Políticas Públicas e Ciclo Orçamentário”, dão uma boa base para entender esses processos.

O segundo desafio diz respeito à forma de comunicação. As forças neoliberais desenvolveram uma tecnologia que força o disparo do “gatilho mental” dos cidadãos contra determinadas ideias, especialmente se elas conflitarem com os interesses do mercado e dos rentistas.

A comunicação política no Brasil passou para a fase da pós-verdade, em que o fato e a verdade ficam em segundo plano e são explorados os comportamentos e reações, com o objetivo de dizer ao cidadão “sobre o que pensar” e não “sobre como pensar”.

A tática é simples. Criminalizam-se os defensores dessas ideias, associando-os a desvios de conduta (corrupção, ilegalidade, irregularidade etc.) ou a agressão a valores (familiares, religiosos etc.) e as pessoas automaticamente deixam de analisar as ideias e passam a condenar seus autores. Isso tem sido feito com partidos e também será feito com os movimentos sindical e estudantil ou qualquer outro que seja visto como de esquerda.

Para contrapor-se a esse modelo de comunicação, é fundamental que a esquerda — sem abrir mão um milímetro sequer em relação as suas convicções e visão política e ideológica — evite adjetivar e contribua para desinterditar o debate centrando sua abordagem no conteúdo do que propõe ou rechaça, de tal modo que as pessoas possam perceber o que de fato está acontecendo.

É preciso que sejamos tolerantes e tenhamos capacidade e disposição para persuadir pelo conhecimento, pelos argumentos e pelos fatos, mostrando os malefícios de parte dessas reformas, sem necessariamente provocar no interlocutor reações que interditem o diálogo.

Evitar o esquema “nós” contra “eles” ou “petralhas” versus “coxinhas” é a melhor alternativa, caso se queira efetivamente mudar a correlação de forças, porque essa forma de abordagem desinterdita o diálogo. Por exemplo: muitos dos que foram a favor do impeachment de Dilma são contrários às reformas em bases neoliberais de Michel Temer. Entretanto, insistirmos na tese de que todos são “golpistas” interdita o debate e o diálogo.

É preciso dialogar com o centro democrático e atrair esses aliados potenciais na luta contra a agenda neoliberal. É preciso separar os adversários de classe das pessoas que foram vítimas da própria ignorância política, imaginando que com a troca do governo todos os seus problemas seriam solucionados. Os primeiros devem ser combatidos e os segundos esclarecidos e chamados a cooperar nessa batalha de resistência aos retrocessos e à supressão de direitos.

A conclusão de que se tratou, de fato, de um golpe será uma consequência natural se as pessoas ouvirem ou se derem ao trabalho de avaliar o que efetivamente tem sido proposto pelo governo Temer em termos de agressão aos direitos dos que vivem de salário, de aposentadoria, são beneficiários de políticas públicas, como saúde, educação etc., e dos que dependem de serviços públicos.

O terceiro desafio consistirá em montar grupos, equipes e assessorias para formular e propor — com a agilidade que os novos tempos exigem — alternativas às propostas do mercado e governamentais.

Os movimentos sociais, no período pós-1964, passaram por duas fases que foram muito eficazes: a de ser contra, em plena ditadura militar, e a de reivindicar, após a derrota da ditadura. E ingressou na terceira fase em que não basta ser contra nem reivindicar: é preciso formular, ter alternativas.

Esta terceira fase, que coincide com a chegada ao Brasil da agenda neoliberal, não estava suficientemente clara para os movimentos sindicais e de esquerda por ocasião dos governos Collor e FHC, quando houve alguns retrocessos, exatamente porque o movimento insistiu nas táticas anteriores: apenas ser contra e reivindicar.

A investida em bases neoliberais — que esteve praticamente suspensa no Brasil, pelo menos por parte do Poder Executivo, nos últimos 13 anos — agora volta com força total e sob a liderança de um governo cuja sobrevivência depende de sua implementação.

O desafio, portanto, é redobrado. Ou a esquerda e os movimentos alinhados investem na formação de quadros multiplicadores, se comunicam melhor e combinam a resistência com alternativas, ou não terão condições de impedir os retrocessos que o governo Temer propõe, cujos eixos centrais estão no documento “Uma Ponte para o Futuro”.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap