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Pela repercussão na imprensa, a proposta não terá chances de aprovação, mas teve o mérito de provocar o debate e chamar a atenção para os superpoderes do STF

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, adversário histórico do PT, virou personagem da imprensa em duas decisões, tomadas no dia 24 de abril, que foram e continuam sendo utilizadas para fragilizar o governo e hostilizar o Partido dos Trabalhadores.

A primeira foi uma liminar, de autoria do magistrado, que suspendeu a tramitação no Senado do Projeto de Lei da Câmara nº 4.470/2012, cujo objetivo é estabelecer “que a migração partidária que ocorrer durante a legislatura não importará na transferência dos recursos do fundo partidário e do horário de propaganda eleitoral no rádio e na televisão”.

Por essa decisão, o magistrado recebeu o aplauso da grande imprensa, que passou para a opinião pública a versão de que o projeto teria sido proposto para beneficiar o governo e o PT, na medida em que, supostamente, impediria a criação de partidos que viessem a concorrer com a presidenta Dilma, como seria o caso do partido de Marina Silva (Rede), ou para evitar a fusão do PPS com o PMN, para a criação do partido Mobilização Democrática, outra agremiação que daria suporte à oposição na eleição presidencial de 2014.

Como regra, o controle judicial da constitucionalidade incide sobre uma espécie normativa ou por inobservância do processo legislativo, duas hipóteses que não se aplicam ao projeto em questão. O convencional, numa situação como essa, seria indeferir a liminar, já que a proposta nem sequer tinha concluído sua tramitação no Congresso, onde, inclusive, poderia ser alterada antes de sua transformação em lei. A liminar certamente cairá, mas a versão de que o projeto andou para favorecer o PT e o governo tende a persistir.

A segunda foi a reação do ministro à aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, da admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 33/2011, que “altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis, condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo STF à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de emendas à Constituição”.

A PEC, de autoria do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), apresentada em 25 de maio de 2011, com o apoio de 219 outros deputados, foi apenas admitida, ou seja, teve autorização para que seu conteúdo pudesse ser analisado por uma comissão especial. O texto que dela resultasse, para se tornar emenda à Constituição, ainda teria de ser aprovado por três quintos (308 votos) na Câmara e três quintos (49 votos) no Senado, em dois turnos de votação em cada Casa.

A versão divulgada, entretanto, é que a PEC ameaça ou tenta a abolir o princípio da separação dos poderes ao propor: alterar o quórum para a declaração de inconstitucionalidade pelos tribunais, de maioria absoluta para quatro quintos; condicionar o efeito da súmula vinculante à sua aprovação pelo Congresso Nacional; e submeter ao Congresso Nacional a decisão do STF sobre a inconstitucionalidade de emenda à Constituição.

Se aprovada conclusivamente nos termos em que foi apresentada – o que é praticamente impossível com o quórum requerido –, a PEC ainda assim não teria o condão de abolir a separação dos poderes, embora limitasse drasticamente o poder dos onze ministros do STF. Pelas regras atuais, o Supremo, além promover o controle da constitucionalidade e suprir lacunas ou omissões legislativas, é o único ator institucional com poder de modificar suas próprias decisões, quando adotadas sob a forma de súmula vinculante.

O fato é que a reação do magistrado em relação à PEC, que ainda terá de ser analisada em seu mérito, ganhou tal dimensão que até os presidentes da Câmara e do Senado foram ao seu encontro em duas oportunidades, inclusive em sua residência, num profundo desrespeito à institucionalidade, porque não procuraram o presidente da Corte, que estava em viagem, ou o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, que respondia pela instituição, para tratar do assunto.

Pela repercussão na imprensa, a PEC certamente não terá chances de aprovação, nem mesmo com a suavização de seus termos. Mas teve o mérito de provocar o debate e chamar a atenção para os superpoderes do STF, que vem tomando decisões, algumas delas em liminares individuais de ministros, que exorbitam o poder que lhe foi delegado constitucionalmente. Por mais sábios que sejam os onze integrantes da Corte, eles não podem e não devem substituir a política nem os políticos. Seu papel é outro: garantir os direitos fundamentais e impedir a violação dos preceitos constitucionais.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de documentação do Diap