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Odiosa a campanha desenvolvida contra o economista, intelectual, indicado pelo presidente Lula para dirigir o IBGE. Jornalismo de esgoto, não há outra expressão

Nossa mídia empresarial tem lado, posição política, ideologia. E para ser justo com ela: guarda sempre coerência. Está sempre ao lado do chamado mercado, dos grandes grupos econômicos. É cão de guarda do capital. A expressão, inadvertida, remete ao indispensável livro de Beatriz Kushnir: Cães de Guarda: Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988, no qual é revelada a cumplicidade ativa da Folha de S. Paulo com a ditadura, recentemente enriquecida com novas e graves revelações.

Devia começar logo pelo principal. Deixei escapar esse nariz de cera, como dizíamos nós no passado. O lead diz respeito à odiosa campanha desenvolvida contra o economista, intelectual Márcio Pochmann, indicado pelo presidente Lula para dirigir o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tentaram colocar pelo em ovo. Não tinham nada a dizer contra Pochmann, soltaram impropérios. Tentaram simples desqualificação, o chamado assassinato de reputações. Literalmente, jornalismo de esgoto, não há outra expressão. Cães de guarda ou de aluguel.

Pochmann, pra abusar do senso comum, dispensa apresentações. Ainda assim, necessário falar dele, rapidamente. Autor de dezenas de livros, todos eles alicerçados em denso conhecimento, e voltados a elucidar nossa história fundada na obscena concentração de renda, a produzir uma das maiores desigualdades do planeta. Dedicação dele: pensar o Brasil. Buscar caminhos para enfrentar nossos gigantescos desafios. Convivemos quando ele dirigia a Fundação Perseu Abramo, instituição de referência hoje no país, local de consulta obrigatória a quem queira estudar a nação. Pude testemunhar a competência e, nesse caso cabe dizer, a erudição dele.

O jornalista Luis Nassif, para citar um dos poucos a se insurgir contra o jornalismo de esgoto, produziu alguns textos demonstrando o quanto é desonesta a campanha contra ele, unindo jornalistas, agrupando Globo, Folha e Estadão, naturalmente ecoando vozes dessa entidade onipresente, o mercado. Campanha desonesta, e pobre intelectualmente.

Houve momentos a chamar Pochmann de ideólogo.

Alguém seria capaz de decifrar isso? Qual a pretensão dos detratores ou das detratoras ao qualificá-lo assim?

Pochmann, ao ler, deve ter se sentido até elogiado, e perguntando-se: quem não o é?

Algumas das moças escrevinhadoras dos textos, jornalistas de nomeada, para o bem o para o mal, por acaso não são ideólogas? Não seguem de forma religiosa o credo neoliberal? Não rezam com fervor na cartilha da ideologia capitalista? Não ajoelham diante do mercado?

Não são capazes, aí não são, de praticar jornalismo, aquele a reclamar um mínimo de seriedade, a prática salutar da busca da verdade. Disso, estão distantes.

Houve a crítica de ele ser do PT. De ter sido candidato e de ter sido derrotado. A crítica a Lula por tê-lo indicado. A impropriedade de o presidente tê-lo nomeado. Às vezes, dá impressão de tais jornalistas serem ignorantes. Afinal, o presidente foi eleito ou não? Ganhou pelo voto soberano do povo o direito de escolher os auxiliares, ou não?

Não é ignorância. É má-fé mesmo. Ideologia. É a tentativa do chamado jornalismo de campanha, aquele onde pouco importa a verdade, e sim os objetivos da campanha, a tentativa de impor a calúnia, a mentira, transformar o falso em verdade, manipulação. Ali, na presidência do IBGE, pretendiam um nome capaz de atender inteiramente aos interesses do mercado. Simples assim.

Um notório ideólogo disse: a ideologia da classe dominada é a ideologia da classe dominante.

Marx estava certo.

Tais jornalistas talvez se acreditem pertencentes ao seleto grupo dos capitalistas. Não pertencem. São apenas porta-vozes. Assumiram o pensamento dominante e agem como cães de guarda, prontos sempre a rosnar e a morder. De modo a defender os interesses dos de cima, não obstante continuem no andar de baixo. Triste papel, consciente ou inconsciente, acredito mais na primeira hipótese.

Não surpreende. O jornalismo de nossa mídia empresarial é este, e tem tempo. Não surpreende, mas entristece.

Nassif, no conjunto de textos contra tal campanha, saúda o crescimento de um jornalismo mais sadio em tempos recentes. Verdade.

Desenvolveu-se sobretudo no que considero meios alternativos, uma ou outra exceção na chamada grande imprensa, e ouso arrolar Carta Capital entre as mídias empresariais de médio porte, e progressista. Diz esperar continuem assim, esses novos ares no jornalismo. Que não seja contaminado pela volta, e não sei se volta, creio continuidade, desse jornalismo de esgoto, tão evidenciado por essa pobre, abjeta campanha contra Pochmann. Dá vontade dizer, e digo: os cães ladram e a caravana passa. Até porque os cães de guarda às vezes falham. Impõe-se a verdade. Afirma-se a dignidade. Pochmann será um grande presidente do IBGE.

Emiliano José é jornalista e escritor, autor de Lamarca: O Capitão da Guerrilha com Oldack de Miranda, Carlos Marighella: O Inimigo Número Um da Ditadura Militar, Waldir Pires – Biografia (2 volumes), entre outros