Colunas | Mídia

Atravessamos um período de importantes transformações na mídia tradicional ou nos chamados meios de comunicação de massa.

Atravessamos um período de importantes transformações na mídia tradicional ou nos chamados meios de comunicação de massa. Além da revolução digital e da convergência tecnológica com suas implicações tanto na economia política quanto na regulação do setor, toda a construção teórica tradicional em torno da formação da opinião pública e dos “efeitos” da comunicação enfrenta uma crise conceitual e de capacidade explicativa.

Esse não é um cenário exclusivamente brasileiro, embora entre nós ele assuma características particulares.

O avanço significativo na escolaridade da população, a interatividade potencial da internet e a incrível rapidez de sua penetração nas camadas populares – que até recentemente tinham o rádio e, sobretudo, a televisão como fontes exclusivas de informação – constituem o sinal “externo” mais evidente e promissor desse período de mudanças.

Enquanto o processo se desenvolve e se define, não há como escapar da centralidade da mídia na vida contemporânea.

Uma análise da cobertura jornalística nos últimos meses revelará que, independentemente de os manuais de redação insistirem na objetividade e na imparcialidade, existem temas, instituições e pessoas sobre os quais o “enquadramento” da notícia recebe tratamento que produz um “discurso único” ou uma “narrativa homogênea” na grande mídia brasileira.

Apesar do “discurso único” ou da “narrativa homogênea”, no entanto, é intrigante observar como, fora do controle da grande mídia, sua capacidade de agendar temas, mobilizar amplos setores da população ou influir na formação da opinião pública tem sido extremamente “seletiva”.

Por que a tragédia do brutal assassinato da menina Isabella Nardoni recebeu uma cobertura equivalente à visita de um papa ou a uma final de Copa do Mundo? Por que e como essa cobertura conseguiu envolver emocionalmente amplas camadas da população? Por que centenas de outros assassinatos diários de crianças não chegam sequer a merecer status de notícia? Por que o assassinato de uma missionária na Amazônia ou os assassinatos frequentes de líderes de trabalhadores em zonas rurais nunca “merecem” volume de cobertura nem sequer parecido com o dedicado à, até então, desconhecida Isabella?

Por outro lado, por que a reiterada insistência da grande mídia em transformar a questão do suposto “dossiê” dos cartões corporativos em mais um “escândalo político” de corrupção não tem conseguido mobilizar a população ou alterar os elevados índices de aprovação do governo e do presidente Lula?

Certamente, não há respostas fáceis para essas questões. Todavia, circulam explicações “provisórias” sobre o comportamento da população em relação à mídia e seus “formadores de opinião” que, na verdade, revelam a perplexidade e o inconformismo diante de uma nova realidade ainda não totalmente definida, mas certamente diferente – e muito – daquela que possibilitou a influência desmedida da mídia tradicional na vida política do país ao longo das últimas décadas.

Uma dessas explicações restringe o conceito de “opinião pública” à opinião expressa pela classe média e chama de “opinião popular” aquela do “resto” da população que “vive no mundo da necessidade” e se expressa, sobretudo, em eleições. E mais: inverte-se a lógica histórica do conceito de opinião pública ao afirmar-se que a consolidação da nossa democracia só acontecerá quando “a opinião pública (vale dizer, a opinião da classe média) se transformar em opinião nacional”.

Enquanto novas articulações teóricas não surgem como resultado de pesquisas sistemáticas, as “explicações” se transformam, elas próprias, em instrumento da disputa política. E esse é apenas mais um aspecto do poder da própria mídia em tempo de mudanças.

Venício A. de Lima é sociólogo e jornalista, autor/organizador de A Mídia nas Eleições de 2006, Editora Fundação Perseu Abramo, 2007