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A reforma tributária, como regra, é complexa e polêmica e envolve pelo menos três ordens de disputas

Todos estão de acordo, na sociedade e no Parlamento, sobre a necessidade de uma reforma tributária que simplifique os tributos, reduza a informalidade na economia, amplie a base de arrecadação, desonere as exportações e promova a justiça fiscal, mas não existe consenso sobre o modelo ideal para atingir esses objetivos. E, como na reforma política, na tributária cada brasileiro possui seu modelo ideal.

A reforma tributária, como regra, é complexa e polêmica e envolve pelo menos três ordens de disputas, cuja superação depende de muita negociação em torno de seu conteúdo, além da exigência de apoio político de três quintos dos deputados e senadores, em dois turnos de votação, para sua aprovação, já que se trata de proposta de emenda à Constituição (PEC).

A primeira disputa ocorre entre a sociedade (agentes econômicos e sociais) e o governo, este empenhado em manter ou aumentar sua receita e aquela lutando para pagar menos tributos. A segunda, entre os três níveis de governo (União, estados/DF e municípios), cada um brigando para ampliar sua participação no bolo tributário. A terceira, entre as regiões mais pobres ou menos desenvolvidas e as mais ricas e desenvolvidas, aquelas lutando para preservar seus incentivos e renúncias fiscais e estas para reduzir ou extinguir esses benefícios.

Além das disputas mencionadas, a reforma tributária em curso na Câmara dos Deputados (PEC 233/2008, do Poder Executivo), que cria o IVA Federal e enxuga a legislação do ICMS dos estados e DF, existem três outros focos de resistência fortes. A inconformidade dos entes federativos com a redução da capacidade de legislar sobre tributos, já que a União passará a predominar nessa matéria. A oposição dos movimentos sociais e sindicais ao fim das fontes exclusivas de financiamento da seguridade social, que serão incorporadas ao IVA Federal, com exceção da contribuição previdenciária sobre a folha e a CSSL, que fará parte da base do IRPJ. E a contrariedade de alguns estados com a transferência da cobrança do tributo, que passa da origem para o destino.

Para superar tantos obstáculos, além do empenho incondicional do governo federal, o relator da matéria deve apresentar pelo menos três atributos: gozar de grande credibilidade no Congresso; pertencer ao partido do governo e ser da confiança pessoal do presidente da República e do ministro da Fazenda; e possuir conhecimento técnico sobre o tema. O atual relator, empresário diretamente interessado, não reúne essas condições. O presidente da Comissão Especial que analisou a matéria, o deputado Antonio Palocci, é que teria o perfil ideal para a relatoria.

A exigência de quórum qualificado, de três quintos dos parlamentares, em dois turnos em cada Casa, para votação de PEC, é um elemento que dificulta a aprovação de uma reforma tributária, como bem ilustram as tentativas anteriores. Na era FHC, apesar de ter aprovado reformas na ordem econômica (quebra dos monopólios, abertura do subsolo e mudança do conceito de empresa brasileira de capital nacional), na Previdência e nos direitos dos servidores, não se logrou aprovar a reforma tributária, governando com receitas provisórias (e o incremento de arrecadação, a chamada receita extraordinária), sustentadas na CPMF e na DRU, além do aumento de alíquota de tributos existentes. No governo Lula, em seu primeiro mandato, foi aprovada a PEC 42, de 2003, mas com mudanças residuais na administração tributária.

Num cenário de crise internacional, com os governadores de quatro estados que respondem por mais de 50% do PIB (SP, MG, ES e RS) claramente contrários ao texto aprovado na Comissão Especial e às vésperas do início do processo sucessório, dificilmente haverá condições objetivas para um acordo capaz de reunir três quintos dos parlamentares a seu favor, mesmo que sejam adotadas generosas regras de transição.

Portanto, as chances de a reforma tributária ser aprovada, sem o apoio dos governadores dos principais estados e dos partidos de oposição, especialmente PSDB e DEM, são muito pequenas, para não dizer remotas. A matéria estará em pauta para apreciação neste primeiro semestre de 2009, mas dificilmente irá a votos.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de documentação do Diap