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Publicidade é parte integrante do imaginário de todos aqueles inseridos no mundo dos meios de comunicação de massa, isto é, todos nós.

Parece até um assunto menor e que não pertence ao campo da cultura, muito menos da política. No entanto, a publicidade é parte integrante do imaginário de todos aqueles inseridos no mundo dos meios de comunicação de massa, isto é, todos nós. E, de algum tempo para cá, o discurso em torno da publicidade tem se politizado cada vez mais.

O caso é que o governo vem tomando medidas, há muito tempo reivindicadas pela sociedade civil e secundadas por pesquisas de especialistas de diversas áreas, que restringem alguns tipos de publicidade. Ano passado, foi a proibição de publicidade de bebidas alcoólicas em determinados horários; este ano, é vez da propaganda dirigida às crianças. Aqui, a briga se dá em duas frentes: por um lado, há um projeto de lei no Congresso que pretende eliminar toda publicidade dirigida às crianças, a exemplo do que já ocorre em diversos países; de outro, a Associação Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) quer restringir a publicidade de alimentos considerados não-saudáveis, com atenção especial para os menores de 12 anos.

O mercado publicitário vem reagindo com veemência às tentativas de regulamentação mais rigorosa, pronunciando-se publicamente, em artigos e declarações em jornais, contra aquilo que classifica de maneira simplória como “censura”. Em 2008, por exemplo, no encerramento do 4º Congresso Brasileiro de Publicidade, o presidente do Conselho de Autorregulamentação Publicitária, Gilberto Leifert, leu uma carta dirigida ao Congresso. Nela, pergunta-se se há sentido em regulamentar a publicidade de “bebidas, remédios, alimentos, refrigerantes, automóveis, produtos para crianças”, uma vez que a “publicidade não causa obesidade, alcoolismo, acidentes domésticos ou de trânsito.”

O argumento é, no mínimo, incompleto. Sim, não se pode imputar à publicidade a inteira responsabilidade de, por exemplo, causar a obesidade infantil, só para ficar num dos casos. Mas pode-se, sim, atribuir os índices alarmantes de excesso de peso na infância ao consumo elevado de alimentos com alto teor de açúcar e gorduras, como diversas pesquisas o demonstram. Ora, uma criança diante da TV é constantemente submetida a um regime infernal de anúncios de biscoitos, chicletes, iogurtes, doces, nuggets, refrigerantes, lanches de cadeias conhecidas pela comida nada saudável etc.

Os anúncios – e essa é a natureza da publicidade, produzir atração e convencimento – são feéricos, coloridos, associados a personagens queridos pelas crianças, estrelados por crianças bonitas, de dentes brancos, bem vestidas. Alguns desses alimentos até que têm algum valor nutritivo. Outros, nenhum. Mas a todos é superposta uma mais-valia de consumo: essa comida é melhor do que o arroz-com-feijão anônimo que você tem na sua casa, simplesmente porque tem nome, marca, presença no mundo dos meios de comunicação. Enfim, porque existe no mundo do consumo, esse mundo que parece uma promessa infindável de prazer, alegria, inserção social e significância cultural.

Essa é a operação básica da publicidade, à qual podem se somar outras, mais agressivas, como o uso explícito de formas verbais de comando (“peça para o seu pai”, “exija”, “compre”), ou mais insidiosas, como o uso de chantagem (o adulto que financia aquilo que a criança pede é mais legal, mais amado, mais bonito do que aquele que não o faz), ou, ainda, mais perversas (que desvalorizam os produtos saudáveis, não industrializados, “anônimos”).

Jogando com valores, a publicidade é, sim, diretamente responsável por um conjunto de atitudes, comportamentos, hábitos, todos na direção do consumo sem peias, sem critério e sem vergonha, e isso, em geral, se faz em detrimento de outros conjuntos possíveis.

Portanto, esta é, sim, uma discussão política – e, se pensada em conjunto com questões da saúde pública e da educação, das mais urgentes.

Bia Abramo é jornalista, integra o Conselho de Redação de Teoria e Debate