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Esse cenário posiciona o digital no centro das estratégias de comunicação, exigindo do governo uma abordagem profissional e eficaz para engajar diferentes públicos, superar bolhas e converter suas ações em apoio popular

Eventos recentes ressaltam a emergência de uma mudança profunda na comunicação do governo federal voltada para o ambiente digital e na regulamentação das redes sociais no Brasil, considerando o papel estratégico dessas plataformas na construção de narrativas e na influência política. Entre os marcos que ampliam a janela de oportunidade para essas transformações, destacam-se o julgamento do Marco Civil da Internet pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o anúncio de Mark Zuckerberg, da Meta, de abandonar a mediação de conteúdos, a polêmica nomeação de Elon Musk como ministro de Trump e a recente substituição na Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom).

Com mais de 170 milhões de brasileiros conectados, o ambiente digital tornou-se um espaço de interação constante, onde o WhatsApp se destaca como uma das plataformas de comunicação mais populares e outras redes sociais se consolidam como arenas essenciais para debates públicos e construção de narrativas. Esse cenário posiciona o digital no centro das estratégias de comunicação, exigindo do governo uma abordagem profissional e eficaz para engajar diferentes públicos, superar bolhas e converter suas ações em apoio popular.

Nessa perspectiva, o espaço digital tornou-se um campo de batalha onde a comunicação do governo tem se mostrado ineficaz tanto na forma quanto no conteúdo, evidenciando a necessidade de uma comunicação governamental que esteja alinhada às dinâmicas digitais. A insistência em privilegiar o jornalismo tradicional e a publicidade em grandes veículos relegou as redes sociais a um papel secundário, permitindo que a desinformação domine o debate público. Essa estratégia não apenas enfraquece a capacidade do governo de se comunicar com a população, mas também gera um desgaste significativo na imagem do presidente e de sua gestão. O exemplo disso é o fato de que as conquistas do governo, como o crescimento econômico, a geração de empregos e a distribuição de renda, não têm sido traduzidas em apoio popular, como evidenciado pelos índices de aprovação do presidente apontados em diversas pesquisas de opinião.

Além disso, a falta de regionalização dos conteúdos é outro fator que prejudica a efetividade da comunicação governamental. O Brasil é um país de dimensões continentais e profundas desigualdades regionais. Para dialogar com diferentes segmentos da população, é essencial que as mensagens sejam adaptadas às especificidades culturais, econômicas e sociais de cada região. As políticas públicas com reflexos positivos em regiões menos desenvolvidas, por exemplo, não têm sido devidamente comunicadas, resultando em baixos índices de aprovação, mesmo diante de avanços concretos.

Com a recente mudança na Secom, espera-se um redirecionamento da estratégia comunicacional, com foco em mensagens consistentes que transmitam esperança e confiança. É imperativo que o governo priorize a prestação de contas à sociedade, destacando suas realizações, combatendo desinformações e evitando alimentar narrativas adversárias. Uma comunicação baseada em educação política, promoção da democracia e defesa das instituições é essencial para reverter o atual cenário. Esse esforço demanda uma equipe qualificada, capaz de explorar ao máximo o potencial das redes sociais para atingir milhões de brasileiros conectados.

Quanto à regulamentação das redes sociais, se antes essa era uma necessidade, agora tornou-se um imperativo. O alinhamento ideológico entre líderes de big techs como Elon Musk, da X (antigo Twitter), e Mark Zuckerberg, da Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads) e Donald Trump, evidencia o risco de consolidação de uma doutrina ultraconservadora no ambiente digital. Essas plataformas, ao priorizarem interesses comerciais e ideológicos, criam um ambiente propício à propagação de fake news, campanhas de ódio e outras práticas prejudiciais à democracia.

O julgamento do Marco Civil da Internet pelo STF é um passo importante, mas precisa ser complementado por medidas legislativas robustas, como a aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 234/2023, de autoria do deputado Arlindo Chinaglia (PT/SP). Esse projeto, que institui a Lei Geral de Empoderamento de Dados, visa devolver ao cidadão a titularidade sobre seus dados, atualmente explorados comercialmente pelas big techs e contribuir para a verdadeira cidadania digital. Ao garantir a privacidade e a propriedade dos dados, o projeto contribui para a criação de um ecossistema digital mais justo e transparente.

A ausência de regulamentação adequada, somada à falta de comunicação governamental eficaz, tem permitido que grupos que exploram a insatisfação popular ampliem mensagem de cunho conspiratório, além de consolidar a presença da extrema direita nesse espaço. Isso tem levado a que influenciadores digitais alinhados a discursos extremistas não apenas promovam campanha de ódio e desinformação, como se remunerem por suas atividades criminosas, por meio da monetização de conteúdos. Esses indivíduos frequentemente utilizam suas plataformas para atacar autoridades, movimentos sociais e cívicos, enquanto buscam proteção política para perpetuar práticas criminosas. Esse ciclo vicioso, onde o crime compensa, precisa ser interrompido por meio de uma regulamentação que responsabilize tanto as plataformas quanto os usuários e permita a depuração de conteúdos criminosos nas plataformas.

A experiência recente das eleições municipais de 2024 ilustra como a manipulação de algoritmos pelas big techs pode influenciar o resultado eleitoral. Apesar da interrupção temporária da X, por decisão judicial, e a mediação de conteúdos, que a Meta ainda praticava naquele período, tenham limitado parcialmente o impacto da extrema direita, a falta de uma regulação mais ampla deixou o terreno propício para a perpetuação de práticas abusivas.

Frente a esse cenário, é essencial que o governo federal atue de forma coordenada em duas frentes complementares: implemente uma comunicação eficaz e inclusiva que reconheça a importância das redes sociais como espaço central para o debate público, e promova uma regulamentação robusta que garanta a responsabilidade das plataformas e dos usuários. Somente assim será possível enfrentar os desafios impostos pelas redes sociais e criar um ambiente digital que promova a democracia, o respeito às instituições e o bem comum.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. É sócio-diretor da empresa “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais”, foi diretor de Documentação do Diap e é membro da Câmara Técnica de Transformação do Estado, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República – o Conselhão.