Colunas | Café no Congresso

Poucos reconhecem que, apesar da correlação de forças desfavorável no Parlamento, não houve derrotas em políticas públicas estruturais na economia e nas questões fiscais.

Comparar o desempenho do Governo Lula III no Congresso Nacional com seus dois mandatos anteriores, sem considerar o contexto político, tem sido o esporte preferido de alguns analistas políticos, de setores da mídia comercial e do mercado. Essas comparações permitem uma avaliação negativa do governo sem expor o viés de oposição e torcida contra da maioria desses atores. As políticas econômicas, regulatórias e, sobretudo, sociais do governo, que requerem recursos orçamentários para custeá-las, incomodam profundamente o establishment do país. Como resultado, muitos preferem jogar lenha na fogueira dos fundamentalistas e da extrema direita antidemocrática do que fazer uma crítica contextualizada ao governo.

A maioria das avaliações sobre derrotas do governo no Congresso Nacional desconsidera que elas ocorrem no campo dos costumes, da religião e do desmame de privilégios a setores do mercado e do parlamento. Em relação aos temas de costume, como direitos reprodutivos, educação sexual e diversidade de gênero, a predominância conservadora no Congresso tem se mostrado um desafio constante. No entanto, o governo tem conseguido evitar retrocessos significativos e, em alguns casos, avançar em políticas inclusivas e progressistas.

Diversos setores da sociedade, por razões distintas, são contrários a alguns pontos do programa de governo, incluindo setores de mercado. Esses setores, por meio do populismo digital, criam bolhas para disseminar fake news com o propósito de dominar corações e mentes, especialmente de pessoas com baixa cognitividade, que são facilmente manipuláveis com falsas acusações de que o governo é contra a liberdade, a propriedade e a família, espalhando o medo entre os incautos.

Ignoram que os dois governos anteriores ao de Lula, para sobreviver politicamente, adotaram as agendas do mercado e entregaram o orçamento público às forças conservadoras do parlamento, que passaram a constituir sua base de apoio, e que o presidente Lula também teve que conviver com aliados do governo anterior e defensores da agenda bolsonarista em postos-chave no Poder Executivo, como o Banco Central do Brasil e agências reguladoras, todos com mandato. Alguns desses aliados boicotaram claramente as políticas governamentais, evitando que a economia voltasse a crescer e gerar emprego e renda numa velocidade maior.

Poucos reconhecem que, apesar da correlação de forças desfavorável no Parlamento, não houve derrotas em políticas públicas estruturais na economia e nas questões fiscais. O PIB, o emprego e a renda cresceram, enquanto a inflação e os juros caíram nestes dezoito meses do Governo Lula. Esquecem, propositadamente, que o Presidente Lula foi eleito numa eleição polarizada contra um candidato que disputou no exercício do mandato, usando fake news e abusando dos recursos e da máquina pública. O então presidente perdeu a eleição por pequena margem de votos, mas a máquina bolsonarista, os recursos do orçamento secreto e seu discurso radical, apoiado no populismo digital, elegeram grandes bancadas conservadoras no Congresso, inclusive em partidos como o PP, o Republicanos, o União Brasil e o PSD.

É evidente que a composição do atual Congresso é majoritariamente conservadora e contrária à agenda prioritária do governo e da esquerda. Há uma presença esmagadora dessa visão de mundo em muitos partidos, inclusive alguns com ministérios no governo Lula, como o PP, o Republicanos e o União Brasil

Num cenário onde a sociedade é polarizada e fragmentada, e o Congresso Nacional possui mais de uma centena de parlamentares focados em luta política, espalhando fake news em tempo integral e apontando problemas sem apresentar soluções, não há coordenação política capaz de obter vitórias nesses temas mencionados, mesmo que se entregasse todos os ministérios e recursos do orçamento aos partidos conservadores.

O governo reservou para seu partido todos os cargos do centro de governo – Casa Civil, Secretaria de Relações Institucionais e Secretaria de Comunicação – e todas as lideranças nas Casas do Congresso Nacional. Ceder espaço para outros partidos aliados, como feito em outros mandatos, não seria prudente, especialmente colocando aliados de conveniência e potenciais adversários em postos-chave no Governo.

O Presidente Lula está certo em não ceder às pressões da mídia e do mercado por mais concessões a esses partidos em troca de apoio nesses temas. Mesmo cedendo tudo, não mudaria o pensamento e a visão de mundo da maioria dos parlamentares desses partidos. Se houver necessidade de mudanças, que sejam após a eleição municipal e a sucessão nas casas do Legislativo, para acomodar lideranças políticas que realmente exerçam influência no Congresso, como os futuros ex-presidentes das Casas, desde que ajam em harmonia com o governo durante o processo sucessório.

Em 2026, se os indicadores econômicos (inflação, juros, emprego, renda, PIB, etc.) continuarem positivos para o governo, a tendência é que faça grandes bancadas entre os partidos aliados programáticos, como fez o bolsonarismo na eleição de 2022. Portanto, não ceder às pressões da mídia e do mercado por mudanças neste momento parece prudente, pois o objetivo real dessas pressões é colocar adversários da agenda governamental no centro do governo.

Antônio Augusto de Queiroz  é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. Sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”, foi diretor de Documentação do Diap. É membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República – Conselhão.