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Como regra, no presidencialismo de coalizão, os governantes utilizam três recursos de poder para formar sua base de apoio

Como regra, no presidencialismo de coalizão, os governantes utilizam três recursos de poder para formar sua base de apoio no Congresso: compartilhar a gestão, oferecendo participação no governo; liberar recursos do Orçamento, por emendas, por convênio ou por liberalidade; e negociar o conteúdo da política pública. Esse padrão, com pequenas variações, tem sido mantido no período democrático, de Sarney a Lula.

O governo Sarney, por exemplo, além de liberar recursos do Orçamento, ceder no conteúdo da política pública e entregar cargos aos partidos de sua base, promoveu ampla distribuição de concessões de rádio e televisão como instrumento de cooptação política para evitar o encurtamento de seu mandato.

No período Collor, apesar de o governo também ter feito uso desses recursos, seu tom imperial e desrespeitoso com o Congresso dificultou a montagem de uma base consistente de apoio. Sua falta de articulação com o Poder Legislativo desgastou a relação, levando à perda de apoio no Congresso e à sua acelerada deslegitimação, que resultou no impedimento do titular do Poder Executivo.

A gestão Itamar, quase um governo de união nacional, foi a que menos cedeu em termos de concessões fisiológicas, ainda que tenha sido muito flexível em matéria de conteúdo da política pública. Seu período de governo, apesar de ter coincidido com a CPI dos Anões do Orçamento, foi um dos mais tranqüilos na relação com o Congresso.

Na era FHC, além desses recursos, o governo valeu-se de outros para viabilizar sua agenda legislativa. Afora o convencimento, a persuasão, a concessão no conteúdo da política pública, o loteamento de cargos entre aliados, fez uso da indução para aprovação das reformas administrativa, previdenciária e da reeleição, exigindo fechamento de questão dos partidos da base.

A indução altera as alternativas dos parlamentares da base para votar determinada política pública. A opção de votar contra ou abster-se passa a ter custos insuportáveis para o parlamentar. Como pelo menos duas dessas reformas foram apreciadas a menos de um ano da eleição e, houve fechamento de questão, o parlamentar da base que votasse em desacordo com a orientação do partido seria expulso da legenda, perdendo a possibilidade de filiar-se a outro partido a tempo de concorrer à reeleição.

No primeiro governo Lula, além desses instrumentos, o presidente fez questão de envolver os governadores na formulação das reformas de maior impacto e submeter sua agenda ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, uma instância com a participação de importantes atores políticos, econômicos, sociais e culturais do país.

Apesar desse método, as resistências foram enormes, de um lado porque a agenda conflitava com os interesses de importantes segmentos da base social do governo, de outro porque não foi costurada uma base consistente de apoio, envolvendo grandes partidos, como o PMDB.

Com isso, para aprovar sua agenda o governo ficou refém de um Congresso formado majoritariamente por políticos provincianos e viciados em trocar votos por favores. Não bastasse esse aspecto, foram determinantes para a crise a inexperiência dos operadores políticos e a ausência de partidos unidos em torno de um programa mínimo.

O problema, portanto, é estrutural. Enquanto não houver uma reforma no sistema eleitoral e partidário que dê nitidez ideológica e doutrinária aos partidos, a dependência do governo em relação ao Congresso continuará em bases fisiológicas e clientelísticas.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)