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Até alguns anos Brasil apresentava três deficiências que traziam incertezas à política de crescimento sustentado

Até alguns anos atrás o Brasil apresentava três deficiências macroeconômicas que traziam incertezas à política de crescimento sustentado da economia: fragilidade nas contas externas; inflação alta; e déficit e dívidas elevadas no setor público. Atualmente, há consenso de que está solucionado o front externo pelo boom das exportações desde 2003, que permitiu o acúmulo de reservas internacionais acima do montante da dívida externa pública.

Quanto à inflação, as projeções do mercado prevêem níveis entre 2,5% e 3% em 2006 e de 4% em 2007. Das três deficiências citadas, é na questão fiscal que ainda persistem problemas. Embora tenha ocorrido nos três últimos anos sensível melhora nos resultados, a maior parte foi devida à elevação da carga tributária e à redução dos investimentos, que são soluções já esgotadas.

Na contramão da questão fiscal, persistem há mais de dez anos as elevadas taxas Selic, bem acima das fixadas pelos países emergentes, de 6,5% na média anual, causando déficit fiscal e gerando uma redistribuição de renda às avessas.

Persiste, também, uma carga tributária de 37,4% do PIB em 2005, quase o dobro da praticada por países de renda per capita semelhante à nossa. Isso, somado às repercussões negativas nos custos/preços, na renda disponível das pessoas, na formação de poupança e do investimento privado, coloca nossas empresas em desvantagem competitiva com as dos demais países. Além de alta, a carga tributária é regressiva, pois consome 48,9% da renda familiar para quem ganha até dois salários mínimos e 26,3% para quem ganha mais de 30 salários mínimos, o que agrava a distribuição de renda. A solução para remover o impasse das contas internas é uma redução gradual da taxa Selic para, no máximo em dois anos, atingir o nível atual da dos países emergentes. A queda abrupta criaria um colapso na rolagem dos títulos públicos, com desestabilização do mercado e crise institucional. A taxa Selic causou em 2005 uma despesa com juros de R$ 157 bilhões, 70% acima da despesa de pessoal do governo federal, 4,2 vezes o déficit previdenciário e dez vezes o valor dos investimentos.

Análises ortodoxas afirmam que a Selic controla a inflação e somente cairá quando caírem as despesas do governo federal, especialmente da Previdência Social, dos programas sociais e demais políticas de redistribuição de renda e de inclusão social. Em oposição, análises desenvolvimentistas indicam que a inflação baixa se explica pela valorização do real devido ao boom de exportações ocorrido desde 2003, que, junto com os investimentos estrangeiros diretos, injetaram desde 2004 US$ 30 bilhões por ano na economia brasileira. Assim, mesmo caindo a Selic o real permanecerá nos níveis atuais, bastando o Banco Central e o Tesouro Nacional reduzirem suas intervenções para enxugar o excesso de divisas.

Direta ou indiretamente, a taxa Selic incide sobre uma dívida mobiliária de R$ 1 trilhão. Cada ponto percentual de redução na Selic dá uma economia anual de R$ 10 bilhões (1% de R$ 1 trilhão). Para ficar no nível dos países emergentes, a Selic atual, de 13,75%, poderia ser reduzida em 7,25 pontos percentuais (13,75 menos 6,5). Gradualmente, seria gerada uma economia de R$ 72,5 bilhões por ano, suficiente para permitir a redução da carga tributária e substancial ampliação dos investimentos em infra-estrutura e em programas sociais.

Estaria assim desatado o último nó que trava as perspectivas de crescimento do país. Com taxas básicas de juros em níveis internacionais, os investimentos produtivos poderiam aumentar, o consumo seria estimulado e o crescimento ocorreria de forma natural e sustentada. Seriam gerados mais empregos, que por seu turno ampliariam o consumo e a produção, completando um círculo virtuoso de progresso. Por outro lado, o governo poderia continuar investindo em políticas sociais redistributivas, absolutamente necessárias para o desenvolvimento econômico e social, contando com mais recursos para isso.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getùlio Vargas e consultor