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Pela primeira vez desde a redemocratização pós-ditadura e retomada das eleições diretas para a Presidência, Lula não será candidato na disputa

Pela primeira vez desde a redemocratização pós-ditadura (1964-1985) e da retomada das eleições diretas para a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva não será candidato na disputa presidencial que se avizinha. Como será a primeira eleição presidencial sem Lula? É pertinente a incógnita, dado que em todas as vezes que concorreu desempenhou papel relevante – polarizando acirradamente o segundo turno contra Fernando Collor em 1989, derrotado mas principal contendor contra Fernando Henrique Cardoso nos primeiros turnos de 1994 e 1998 e como candidato mais votado nos primeiros turnos e elegendo-se presidente nos segundos turnos de 2002 e 2006.

Se como sugerem os mais recentes indicadores de desempenho da economia, já está sendo superado no país o impacto da crise econômico-financeira internacional deflagrada em 2008, tudo indica que é reduzida a probabilidade de que a atual aprovação elevada do governo Lula por parte da opinião pública seja substancialmente alterada nos próximos 12 meses. Se assim for, está definido o signo regente da disputa de 2010: a continuidade. É o mesmo que foi determinante para as vitórias de Fernando Henrique (1994 e 1998) e para a reeleição de Lula (2006), e o inverso do que favoreceu as vitórias de Collor (1989) e a primeira de Lula (2002), regidas pelo signo da mudança.

Na literatura sobre comportamento eleitoral identificam-se fatores determinantes para a definição do voto, grosso modo, de três ordens: os de longo prazo, resultantes da localização ideológica e da preferência partidária dos eleitores, traços tendencialmente duradouros, frente à identidade política dos candidatos; os de médio prazo, decorrentes da avaliação do governo sob julgamento, que é o chamado voto retrospectivo, no qual o desempenho da economia e seus efeitos sobre as condições objetivas de vida tendem a adquirir centralidade; e os de curto prazo, que incluem o posicionamento dos candidatos, o apelo dos programas de governo que defendem e a eficácia de suas campanhas eleitorais.

A análise das últimas cinco eleições presidenciais sugere que, dentre esses fatores, o voto retrospectivo tem sido preponderante para explicar os resultados observados. Se as campanhas eleitorais – variável de curto prazo, nelas incluído o comportamento sempre engajado da mídia empresarial contra Lula – tiveram papel decisivo para o desfecho da disputa Lula versus Collor em 1989, só o fizeram depois que o voto retrospectivo havia operado (rejeição aos candidatos identificados com a continuidade do governo Sarney), levando ao segundo turno os que melhor se posicionaram como encarnações da mudança.

O mesmo se pode dizer dos desfechos de 1998 e de 2002: a eficácia de ambas as campanhas – na reeleição de FHC, o convencimento de que não se devia “mudar o piloto na hora da turbulência” (em alusão à crise especulativa do fluxo internacional de capitais que atingia o Brasil); e, na primeira vitória de Lula, a transfiguração do ex-sapo barbudo e radical em portador da esperança – só foram possíveis em contextos em que as tendências, respectivamente para a continuidade (decorrente do sucesso inicial do Plano Real) e para a mudança (fracasso do segundo mandato de FHC), já estavam dadas por força da avaliação retrospectiva da maioria do eleitorado.

Em suma, a manter-se essa lógica, a probabilidade maior é de que em 2010, ungida pela mão de Lula, Dilma vença as eleições. A seu favor contam a extensa base social que melhorou de vida sob o governo Lula e também a elevada preferência partidária pelo PT (em torno 25%) – um fator de decisão de voto de longo prazo, com o qual outros candidatos não contam. As incertezas sobre esse desfecho recaem sobre os fatores de curto prazo: a construção do convencimento de que Dilma é quem melhor encarnará a continuidade e o aprofundamento do projeto em curso versus a tentativa de aliados (Ciro Gomes), ex-aliados (Marina Silva) e opositores (Serra ou Aécio) de se posicionarem como mais adequados para tal.

Gustavo Venturi é doutor em Ciência Política e professor do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP ([email protected])