Colunas | Juventudes

Propostas do Plano de Reconstrução e Transformação dialogam com o compromisso das juventudes com a vida, os direitos, a transição ecológica e o Bem Viver e precisam ganhar as ruas e as redes

Um dos principais legados dos governos Lula e Dilma para as juventudes brasileiras é o entendimento de que somos sujeitos de direitos. Essa percepção foi afirmada nas seis rodas de conversa realizadas entre os dias 22 e 27 de março de 2021 no Seminário do Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas (NAPP) Juventudes, da Fundação Perseu Abramo (FPA). Passados cinco anos do golpe que destituiu a presidenta Dilma, com os desmontes institucionais e as violências de Estado e civis contra a população, a noção de direitos é uma conquista que se mantém.

O NAPP Juventudes foi criado em 2020, junto a vários outros núcleos, para contribuir com a elaboração do Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, lançado em setembro. De lá para cá, tem se reunido semanalmente e discutido temas como trabalho; violência, segurança pública e racismo; educação; e participação. O seminário foi construído com o intuito de ampliar os debates, divulgar as elaborações do plano entre as juventudes brasileiras e afirmar nossas bandeiras de luta no campo progressista.

A convocação do NAPP foi prontamente atendida. Mais de quatrocentas inscrições, de todas as regiões do país, reuniram uma diversidade de corpos, cores e vozes, de petistas e não petistas em seis encontros: 1. legado e perspectivas das Políticas Públicas de Juventude (PPJ); 2. trabalho; 3. genocídio da juventude negra; 4. juventudes rurais; 5. pandemia e desigualdades: internet, educação e saúde; e 6. cultura e comunicação.

A primeira mesa contou com as participações de Severine Macedo, Gabriel Medina e Jefferson Lima, titulares da Secretaria Nacional de Juventude do governo Dilma. Eles traçaram o histórico de lutas e conquistas com ênfase no período posterior a 2005, quando foi criada a secretaria, o Conselho Nacional de Juventudes (Conjuve) e o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem). Analisaram os desafios da implantação das PPJ de maneira articulada e integrada com os demais ministérios e ações de governo, assim como problematizaram limitações para a elaboração e plena implantação das políticas nos nossos governos.

No segundo dia, Léa Marques, do projeto Reconexão Periferias, da FPA, Paulo Galo, do movimento dos Entregadores Antifascistas e Cristiana Paiva, secretária Nacional de Juventude da CUT, trouxeram diferentes olhares sobre o tema do trabalho e da renda e suas desigualdades. Enfatizaram a necessidade da escuta por parte do PT e das esquerdas. Segundo eles, para de fato nos reconectarmos com as/os trabalhadores e comunidades é preciso ouvir e conhecer as bandeiras e as formas de luta que vêm sendo travadas. Se há continuidades históricas que aproximam as juventudes trabalhadoras de hoje daquelas que formaram o PT nos anos 1970 e 1980, há também novidades que precisam ser urgentemente compreendidas e incorporadas numa agenda de reflexões e ações teórico-políticas.

O terceiro encontro do seminário abordou o genocídio da juventude negra. Participaram Felipe Freitas, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Criminologia/UEFS; Walmyr Júnior, MNU/Enegrecer; e Tamires Sampaio, secretária adjunta de Segurança Pública de Diadema (SP). A mediação ficou a cargo de Malu Vianna, rapper e educadora social de Porto Alegre, referência no debate e parceira histórica da FPA. Um questionamento mereceu destaque: por que vivenciamos o aumento da violência e dos assassinatos de jovens negros no país ao mesmo tempo em que reduzimos a pobreza e das desigualdades? As análises argumentaram ser preciso encarar as dinâmicas particulares da violência policial e sua relação indissociável do racismo como parte de um projeto histórico de Estado, essencialmente excludente e elitista.

No quarto dia, o tema das juventudes rurais foi abordado por cinco mulheres: Severine Macedo, pedagoga e ex-secretária nacional de Juventude, Jailma Lopes, representante da juventude do MST, Mônica Bufon, secretária de Juventude da Contag, Clécia Oliveira, jovem rural da Bahia e Luiza Dulci, economista e integrante do Coletivo Agrário do PT. Um aspecto ressaltado em todas falas é a diversidade que caracteriza as juventudes do campo, das florestas e das águas. Foram abordados temas como sucessão rural, educação do campo, a atualidade da reforma agrária e o direito à terra e aos territórios; acesso aos serviços públicos. Chama atenção ainda o fortalecimento das agendas campo-cidade e da alimentação saudável como trincheiras estratégicas de politização da sociedade nos dias de hoje.

O quinto encontro debateu as dinâmicas da desigualdade no contexto da pandemia da Covid-19, particularmente em relação à inclusão digital, educação e saúde. Participaram Renato Almeida, cientista social do Centro de Estudos Periféricos/Unifesp; Rozana Barroso, presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes); Alana Manchineri, coordenadora de comunicação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); e Pedro Tourinho, médico sanitarista e professor universitário. A conversa foi mediada por Gabriel Medeiros, subsecretário da Juventude do governo do Rio Grande do Norte (SEMJIDH/RN) e coordenador do NAPP Juventudes. Renato e Pedro deram destaque ao contexto das periferias urbanas e as dinâmicas que permeiam a matriz de desigualdades juvenil. Rozana trouxe a perspectiva das/os estudantes, com ênfase na campanha "Vida, pão, saúde e educação", construída conjuntamente pelas entidades estudantis representativas do ensino médio, superior e da pós-graduação, Ubes, UNE e ANPG. Já Alana denunciou e analisou a grave situação dos povos indígenas na pandemia e as articulações solidárias que têm tido lugar nos próprios territórios – a despeito do descaso e dos boicotes governamentais.

Finalmente, o encerramento do evento debateu cultura, comunicação e organização da juventudes, com Laura Sabino, estudante de História e comunicadora popular, Emily Firmino, jornalista e militante do Levante Popular da Juventude, Danilo Pássaro, coordenador nacional do Movimento Somos Democracia, das torcidas de futebol contra o fascismo, Jaqueline Lima, doutora em Antropologia Social e integrante do Reconexão Periferias/FPA e Juliana Vaz, do Coletivo de Estudantes Quilombolas da UFBA. Coordenou a mesa Ronald Sorriso, secretário Nacional da Juventude do PT. Esse encontro de cores e vozes mostrou com dados e relatos de vivências a diversidade da gramática política das juventudes brasileiras na atualidade. Apontou, assim, que o envolvimento na política institucional é uma das várias estratégias de ação política juvenil. Outro aspecto de destaque se refere à dinâmica de organização redes e ruas. Conforme foi apontado, este não corresponde à somatória de ações nas redes e nas ruas, ao contrário constitui lógica distinta de pensamento, organização e ação. Foi consenso a percepção de que as esquerdas e o PT encontram-se muito atrasados nesse cenário. A boa notícia é que há muitas/os jovens engajadas/os e dispostas/os a contribuir com essa mudança no campo progressista. Precisam ser escutados, ter vez e voz nos partidos.

Foram seis dias intensos. As juventudes trouxeram muitas perguntas e nos deram algumas respostas. Apontaram caminhos a seguir. Felizmente, muitas das reflexões, análises e propostas, estão em sintonia com o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, o que mostra que os esforços do PT estão conectados, pelo menos em parte, com as lutas das juventudes trabalhadoras.

A tarefa agora é discutir o plano, torná-lo de fato conhecido e apropriado por jovens de todo o país. Os princípios, valores e propostas que ali estão afirmam nosso compromisso com a vida, os direitos, a transição ecológica e o Bem Viver. Precisam ganhar as ruas e as redes, os mandatos parlamentares petistas desde as câmaras municipais ao Congresso Nacional e as prefeituras e governos administrados pelo PT.

 

 

 

Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)