Colunas | Café no Congresso

Decisão do STF, além reparar uma injustiça contra os titulares dos precatórios, especialmente os de natureza alimentar, interrompeu uma prática perversa de venda desses títulos com deságios absurdos

Por Antônio Augusto de Queiroz (*)

O Supremo Tribunal Federal formou maioria para corrigir uma das maiores injustiças praticadas durante o governo Bolsonaro contra os direitos individuais do cidadão titular de crédito perante a Fazenda Pública da União, ao suspender parcialmente a vigência das Emendas Constitucionais nºs 113 e 114, ambos de 2021, e determinar a imediata quitação do passivo de precatório da União acumulados no exercício de 2022.

Em 2021, o governo Bolsonaro, sob a alegação de “evitar o colapso financeiro e da máquina pública” e abrir margem fiscal para pagamento de despesas discricionárias, inclusive assegurar recursos para o pagamento do Auxílio-Brasil de R$ 400,00, numa atitude eleitoreira, em lugar de enfrentar o teto de gasto, optou por propor e aprovar Emendas à Constituição para dar um calote nos precatórios, inclusive os de natureza alimentar, como os devidos aos servidores e aos aposentados e pensionistas do INSS e do regime próprio.

O governo Lula, ao contrário, para garantir a continuidade e a ampliação do Bolsa-Família, em lugar de confiscar recursos de assalariados do serviço público e de aposentados e pensionistas, negociou com o Congresso a aprovação de uma PEC para permitir a revogação do teto de gastos, e a implementação do “Novo Regime Fiscal Sustentável”. E, para corrigir a injustiça praticada contra os credores de precatórios da União desde 2021, entre eles muitos idosos, o Advogado-Geral da União não apenas apoiou a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 7.064, subscrita pela Ordem do Advogados do Brasil (OAB) e Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), e relatadas pelo ministro Luiz Fux, como pediu ao STF que autorizasse o governo a abrir crédito extraordinário para pagar os atrasados decorrentes do calote e quitar esse enorme passivo, evitando, ainda, que se formasse uma bola de neve – verdadeira bomba-relógio – de R$ 400 bilhões para ser paga em 2026, no final do Governo Lula.

A construção jurídica para viabilizar o pagamento dos atrasados, concebida e proposta pelo Advogado-Geral da União, Jorge Messias, consistiu em distinguir o valor principal dos títulos (precatórios), que continuaram dentro dos limites na despesa primária, dos encargos financeiros, como juros e correção monetária, que, tal como se aplica no caso dos encargos da dívida pública, não devem ficar sujeitos aos limites do regime fiscal. Essa engenharia criou as condições para a emissão do crédito extraordinário para quitação dos precatórios que tinham ficado represados.

Com a decisão do STF no julgamento da ADI 7064, com o voto divergente, apenas, do Ministro André Mendonça, fica deferida a abertura de crédito extraordinário para quitação dos precatórios expedidos nos exercícios de 2022 a 2026, quando excedente ao subteto fixado pelo art. 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, além de autorizar a edição de Medida Provisória com crédito extraordinário para o imediato pagamento do passivo relativo a 2022. E a despesa com o pagamento desses precatórios que não foram pagos, em valor acima do teto fixado pela EC 114, poderá ser autorizada, até 2026, por meio de crédito extraordinário, e não será computada para os fins da meta de resultado primário.

Estima-se que só com o crédito extraordinário, a ser aberto por Medida Provisória ainda em 2023 – para pagar os precatórios expedidos em 2021 e 2022 e quitar os atrasados preferenciais e os mais antigos dentre os expedidos em 2023 – injete na economia algo próximo de R$ 100 bilhões de reais. Esse montante, que será tributado pelo Imposto de Renda, poderá gerar receita extraordinária para o governo, compensando parcialmente o aumento do déficit público que decorrerá da decisão. Esse aumento da receita primária, já em 2023, e nos anos seguintes, poderá facilitar a aplicação do percentual de aumento real da despesa de 2,5% acima da inflação, abrindo maior espaço para a revisão geral ou reestruturação remuneratória dos servidores públicos.

A decisão do STF, além de reparar uma injustiça contra os titulares dos precatórios, especialmente os de natureza alimentar, interrompeu uma prática perversa de venda desses títulos com deságios absurdos por seus detentores temerosos de moratória ou de que não estivessem vivos no futuro para usufruir desse direito reparado, conquistados após décadas de disputas judiciais.

Isto é apenas um pequeno exemplo da diferença de visão do governo anterior e do atual, cuja eleição interrompeu um ciclo de retrocessos que tinha se instalado no País desde 2016. Com essa medida, apoiada pelo presidente Lula, a equipe econômica e a AGU, o STF repara uma grande injustiça e cria espaço fiscal para viabilizar a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, outra vítima do governo anterior.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, consultor e analista político, diretor licenciado do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e sócio-diretor da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais