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Fixada pela primeira vez em 25,3%, em 1996, a Selic permaneceu elevada, alcançando 45% em 1999, começando a cair a partir de um ano atrás, até os 7,5% atuais

O Brasil, por influência do mercado financeiro, é talvez o único país que avalia sua situação fiscal pelo conceito estranho e enganoso de superávit primário (receitas menos despesas exclusive financeiras). O que permite aferir o desempenho fiscal, utilizado internacionalmente, é o resultado obtido pela diferença entre todas as receitas e todas as despesas, incluindo juros. O conceito de superávit primário foi a forma que o mercado financeiro usou para caracterizar o esforço que o Estado brasileiro tem de fazer para pagar sua conta de juros – e, para isso, cortar despesas.

Existe outra forma de tratar essa questão, que é atuando sobre o tamanho dos juros. Pode ser maior ou menor, dependendo da política a ser usada pelo governo ao fixar periodicamente as taxas de juros que vão onerar os títulos públicos. Essas taxas são balizadas pela Selic.

Assim, os juros podem ser 100 ou 50, dependendo da taxa em que a Selic for fixada nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). Como interessa ao sistema financeiro ter a Selic a mais alta possível, pois engorda seus lucros na compra e venda de títulos públicos, é necessário que o governo faça o devido esforço fiscal, para o agrado dos bancos.

O Brasil foi durante mais de quinze anos o país que teve de suportar a mais alta taxa básica de juros. Só recentemente começou a se aproximar, mas ainda distante, das taxas praticadas em média pelos países emergentes – 5% ao ano.

Essa superdosagem de juros foi o veneno que atacou o tecido econômico e social do país e do qual ainda não nos livramos, pois persiste em doses menores.

Selic e dívida

Fixada pela primeira vez em 25,3% no dia 1º de julho de 1996, a Selic permaneceu em patamar elevado, passando pelo máximo de 45% em março de 1999, com Armínio Fraga na presidência do Copom, para iniciar o regime de metas de inflação.

Só ficou abaixo de 15% a partir de julho de 2006, mas sempre em dois dígitos até junho de 2009, quando foi mantida entre 8,75% e 10% durante um ano, devido à crise. Em junho de 2010, com a forte elevação dos preços internacionais das commodities, passa novamente a subir, atingindo 12,5% em julho de 2011, e a partir de um ano atrás começou a cair, até os 7,5% atuais.

Considerando a Selic adotada pelos governos, há nítida tendência de melhora. No governo FHC, a taxa foi, em média, 21,7%, no governo Lula 14,9% e, nesses dois anos do governo Dilma, deve fechar em 10,2%.

A dívida líquida do setor público foi marcadamente influenciada pela alta da Selic. No início do governo FHC estava em 28% do PIB e, mesmo com a megavenda de patrimônio público com privatizações, ao final chegou a 60,4%. No fim do governo Lula tinha baixado para 39,2% e, em julho, estava em 34,9%. Caso a Selic continue caindo, é possível que ao final do governo Dilma retorne próximo da que estava no início do governo FHC.

Recursos disponíveis

Por manter essa política de juros anormais, o setor público torrou dinheiro. Nos últimos dez anos, gastou, em média anual, 7% do PIB e arrecadou 33%, sobrando para desenvolver suas ações (custeio e investimentos) 26% do PIB.

Essa disponibilidade de recursos poderá ser ampliada nos dois próximos anos, pois, mantida a mesma carga tributária (o que pode ser considerado conservador, caso a economia cresça), a conta de juros poderá cair em 2013 e 2014 se o governo rumar para a taxa básica de juros dos países emergentes, de 5%.

Com essa crescente disponibilidade de recursos, o setor público poderá ampliar sua ação no campo social, na infraestrutura e no estímulo à economia.

Mas, se cair no engodo do mercado financeiro, que ameaça com o fantasma da inflação cuja cura seria a elevação da Selic (?), como consta do boletim Focus, deixará de usufruir do potencial fiscal à sua disposição. A conferir.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor