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Exclusão da sociedade como ator na formulação das políticas públicas de comunicações no Brasil

Desde o início de fevereiro, o ano, que até então seguia sem maiores novidades no campo das comunicações, transformou-se num incontrolável tsunami.

Criou-se no Senado Federal a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática, presidida pelo senador Wellington Salgado de Oliveira (PMDB-MG), suplente do ministro das Comunicações, Hélio Costa, e controlador da Rede Vitoriosa (retransmissora do SBT na região de Uberlândia, MG), da TV Goiânia (retransmissora da Bandeirantes no estado de Goiás) e da Radio Universo (em Rio Bonito, RJ).

Na Câmara dos Deputados, dezesseis dos 76 membros da nova Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática, isto é, mais de um quinto, também são vinculados a concessões de radiodifusão. Mesmo assim, correndo por fora, logrou-se criar uma Subcomissão Especial de 28 membros (titulares e suplentes) para analisar mudanças nas normas de apreciação das outorgas e renovação de concessões de radiodifusão. É uma pequena, mas importante vitória.

Na mesma Câmara, três projetos foram apresentados na defesa de interesses totalmente contrários na disputa entre teles e radiodifusores pela exclusividade da produção e distribuição de conteúdo audiovisual. Esse fato antecipa o que deverá ser a peleja Venício A. de Lima, sociólogo e jornalista em torno da Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa, cujo projeto o ministro das Comunicações promete enviar ao Congresso Nacional neste primeiro semestre.

Para esquentar ainda mais a disputa, a Anatel autorizou a A.Telecom S.A., subsidiária do Grupo Telefônica, a prestar serviços de TV por assinatura, via satélite, em todo o país. Apesar da celeuma que o fato provocou, não se trata exatamente de uma novidade. A operadora NET, do grupo Globo, que domina o mercado de TV a cabo no país, vendeu em maio de 2005 pelo menos 49% do seu capital à Telmex mexicana, que controla a operadora de telefonia fixa Embratel e a operadora de telefonia móvel Claro.

No meio dessa confusão regulatória, anuncia-se a venda (ainda não confirmada) da Editora Três – leiam-se revistas IstoÉ, IstoÉ Dinheiro, Dinheiro Rural e Isto É Gente – para o empresário Nelson Tanure. Se confirmada, estará se consolidando um novo conglomerado de mídia – a CBM, Companhia Brasileira de Multimídia –, que terá, além da Editora Três, a Editora Peixes, o Jornal do Brasil, a Gazeta Mercantil, a revista Forbes, a InvestNews, a Brasil Digital e a ex-rede CNT de Televisão, a nova Rede JB.

Anunciou-se também a compra pelo grupo da Rede Record – leia-se Igreja Universal do Reino de Deus – das Rádio Guaíba AM, Rádio Guaíba FM, TV Guaíba e do jornal Correio do Povo de Porto Alegre.

É, mais uma vez, a propriedade cruzada dos meios, proibida ou limitada em todo o mundo, servindo de base à consolidação de grupos de mídia – e religiosos – no país.

Para completar o quadro, o ministro das Comunicações anuncia ter entregue ao presidente da República o projeto de uma TV Pública do Executivo (?), atropelando o trabalho que vinha sendo construído dentro do próprio governo – pelo Ministério da Cultura, pela Casa Civil e pela Radiobrás – para criação de uma rede pública (não-estatal) de televisão, que tomaria por base os atuais canais legislativos, universitários, comunitários e a Radiobrás.

O que há em comum em todos esses casos? A exclusão da sociedade civil como ator significativo na formulação das políticas públicas de comunicações no Brasil. Ao contrário de setores que envolvem direitos consolidados como a saúde, o emprego, a educação ou a moradia, o direito à comunicação não está positivado legalmente e a consciência de sua existência ainda é difusa e reduzida na grande maioria da população brasileira.

Tudo como dantes, no quartel de Abrantes.

Venício A. de Lima  é sociólogo e jornalista