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O balanço do governo é positivo, a economia cresceu quase 6% e várias políticas sociais foram contempladas, mas depende das empresas mineradoras para financiá-las

O presidente Ollanta Moisés Humala Tasso, do Peru, completou em 28 de julho o primeiro de cinco anos de mandato com avaliações muito distintas sobre seu desempenho como o mais novo mandatário do campo progressista latino-americano.

Ele chegou à frente no primeiro turno das eleições presidenciais em 2011 competindo com nove outros candidatos, cinco de partidos nanicos que tiveram menos de 1% dos votos e quatro que alcançaram mais de 10%. Disputou o segundo turno com Keiko Fujimori – herdeira política do pai, Alberto Fujimori, que implantou o modelo neoliberal mais autoritário e radical da América Latina –, derrotando-a com uma diferença de apenas 3% dos votos.

Ao contrário da eleição de 2006, quando evitou alianças mais amplas e perdeu para Alan Garcia, do Partido Aprista Peruano (Apra), por 600 mil votos, dessa vez Humala conformou uma coalizão chamada Gana Peru, composta pelo seu Partido Nacionalista Peruano, pelos partidos Comunista Peruano, Socialista e Socialista Revolucionário, bem como pelos Movimentos Voz Socialista e Lima para Todos. Além de eleger o presidente, a coalizão tornou-se a maior expressão do Congresso, com 47 deputados.

Contudo, para alcançar a maioria parlamentar no total de 130 deputados do Congresso e lidar com a divisão do eleitorado, ele buscou alianças mais à direita e adaptou seu programa de campanha “Gran Transformación” de profundo corte estatal a uma combinação de política macroeconômica liberal com implantação de políticas sociais. Dessa forma, compôs seu primeiro escalão com representantes da esquerda nos Ministérios de Relações Exteriores, Educação, Minas e Energia, Meio Ambiente e da Mulher, mas promoveu o vice-ministro da Economia de Alan Garcia a ministro, manteve o presidente do Banco Central e, no Ministério do Desenvolvimento, colocou um indicado do ex-presidente Alejandro Toledo. Este havia chegado em quarto lugar no primeiro turno e apoiou Humala no segundo.

Apesar do perfil conservador da área econômica, ou neoliberal, segundo a esquerda peruana, o presidente cumpriu grande parte dos compromissos de seu programa nas políticas sociais ao criar o Ministério da Inclusão Social, aumentar o salário mínimo, promover algumas mudanças no código do trabalho, implantar um programa de apoio a idosos, aprovar uma lei que obriga a realização de consultas prévias às comunidades amazônicas sobre projetos econômicos e renegociar contratos com empresas mineradoras, aumentando a arrecadação de tributos entre US$ 1,5 bilhão e 3 bilhões ao ano, embora haja também críticas quanto aos critérios de aplicação desses recursos.
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Entretanto, apesar dessa renegociação, prosseguiram os conflitos sociais em função da abertura do Peru para exploração de recursos naturais promovida pelos governos que o antecederam, os quais, somente durante o mandato de Alan Garcia, provocaram 191 mortes.

Um acontecimento marcante foi o recente conflito no complexo mineiro de Conga, concedido a uma multinacional americana chamada Newmont, na província de Cajamarca. A relação dessa empresa com a comunidade local nunca foi boa e desembocou este ano em conflito generalizado na região, com greve geral e diversas manifestações sociais. Humala enviou seu chefe de gabinete, Salomón Lerner, um empresário progressista e seu aliado de longa data, para negociar uma solução. A negociação, porém, revelou-se difícil e demorada diante da multiplicidade de atores, como o governo esquerdista da província, as comunidades camponesas e indígenas, ONGs ambientalistas, entre outros, bem como a diversidade de seus interesses. Antes que ela se concluísse, Humala decretou estado de emergência na região e intervenção da Polícia Nacional, e cinco mortes ocorreram.

Lerner sentiu-se desautorizado e renunciou a seu cargo no governo, atitude que foi seguida por outros ministros do campo da esquerda. O presidente convidou um colega de farda, Oscar Valdéz, para substituí-lo. Quando este assumiu, a intervenção ocorreu de forma ainda mais truculenta, resultando em mais doze mortes, e oito deputados de esquerda da coalizão governamental foram para a oposição. Após uma intermediação eclesiástica no conflito, Humala nomeou para o lugar de Valdéz o ex-ministro da Justiça do governo Valentim Paniágua (substituto de Fujimori quando este foi destituído, em 2000), militante da área de direitos humanos. Essa mudança representou a terceira reforma ministerial em um ano, mas o “núcleo duro” da economia, além de se manter, foi acrescido de um novo titular do Ministério da Agricultura ligado ao grupo.

Parte da esquerda, em particular o Partido Socialista, rompeu com o governo, mas outros permanecem. O próprio Lerner retornou para cuidar da participação peruana na Unasul. O dilema da esquerda está em fazer oposição a Humala ou buscar maior espaço para incidir sobre seu governo e atacar questões estruturais como a extrema pobreza que afeta quase um terço da população, assim como a profunda desestruturação social e política do país.

Humala não é um presidente de esquerda. É um militar da reserva e nacionalista reformador. No entanto, o balanço de seu governo é positivo e seus indicadores de popularidade são razoáveis, pois a economia cresceu quase 6% no primeiro ano e várias políticas sociais foram contempladas. Para financiá-las, porém, ele depende das empresas mineradoras – e é provável que haja novos conflitos sociais. A forma de lidar com eles também será importante para diferenciá-lo dos governos anteriores.

Kjeld Jakobsen é consultor de Relações Internacionais