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A Greve Geral de 14 de junho, o Ato em Defesa da Soberania e a Marcha das Margaridas em agosto integram o calendário unitário que envolve muitas outras atividades ao longo de 2019

A Escola Nacional Florestan Fernandes sediou entre os dias 6 e 8 de junho o seminário Terra e Território: Diversidade e Lutas. O encontro foi organizado pelo campo unitário, fórum que congrega os principais movimentos de luta pela terra do país. Estiveram presentes mais de 200 representantes de organizações e entidades ligadas a reforma agrária, agricultura familiar, pequenos agricultores, camponeses, assalariados rurais e povos e comunidades tradicionais, bem como ambientalistas, parlamentares, dirigentes e fundações partidárias e professores e pesquisadores da academia.

Merece destaque um aspecto reiterado em diversas falas: a construção da unidade de lutas, pautas e agendas, que há muito não se via entre os movimentos do campo no Brasil. É de comum acordo que durante os governos Lula e Dilma cada organização construiu sua própria agenda e estabeleceu interlocução com o governo de forma autônoma em relação às demais.

Desde o golpe, viu-se que a estratégia precisaria mudar. Era chegada a hora de somar forças, de construir uma “comunidade de reflexão programática com o nosso olhar sobre o Brasil”, conforme apontou João Pedro Stédile na mesa de abertura do seminário.

Assim, o intuito do encontro foi refletir sobre os desafios colocados para o Brasil e para a classe trabalhadora em particular; elaborar um entendimento coletivo sobre o que fazer; e construir uma agenda de lutas comum. Saímos de lá com uma carta política, lida ao final do encontro na presença de lideranças como Fernando Haddad e Guilherme Boulos; e o esboço de um documento de maior fôlego, com a síntese da elaboração dos três dias de discussão, a ser utilizado em formações e discussões com os militantes de base.

Marielle – cuja memória se fez muito presente no encontro – dizia que na luta somos diversas, mas não dispersas. A meu ver, essa é uma das sínteses possíveis do que foi o seminário. O meio rural brasileiro, presente em sua diversidade, reunido para discutir questões como: o avanço do capital sobre os territórios rurais; o cenário das lutas em cada região do país; a direção dos conflitos: terra, água, mineração, territórios indígenas e quilombolas etc.; a ameaça dos agrotóxicos; mecanização e desemprego; trabalho análogo ao escravo, dentre outros.

A luta pela terra e pelo cumprimento do preceito constitucional da função socioambiental da propriedade e das riquezas foi reafirmada como ponto central que une as diferentes organizações, entidades e povos do campo, das florestas e das águas. Esse aspecto parece não trazer nada de novo em relação à luta (histórica) no Brasil. Porém, o contexto presente aponta para transformações quantitativas e qualitativas em relação a momentos passados. O desenvolvimento do capitalismo financeiro e sua chegada ao campo – primeiro com a financeirização da produção e, mais recentemente, no pós-crise de 2007/8, com a financeirização da própria terra – abriram novas possibilidades de extração de renda da terra. Vemos a combinação de novas e velhas formas de superexploração do trabalho e da natureza, que se articulam em distintas escalas territoriais.

O contexto brasileiro se mostra ainda mais grave, na medida em que a agenda conservadora dos governos Temer e Bolsonaro tem sido em grande parte liderada pela bancada ruralista – a maior e mais articulada bancada temática do Congresso Nacional. Dentre os desdobramentos dessa nova orientação política, podemos citar o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário e, com ele, o fim das políticas públicas de desenvolvimento rural; a extinção de direitos das populações do campo, das florestas e das águas; o aumento da violência civil e de Estado no campo, desprovida do acompanhamento da ora atuante Ouvidoria Agrária Nacional, hoje presidida por um coronel do exército; e um governo que sequer reconhece os movimentos de luta pela terra no Brasil.

Nesse sentido, um dos caminhos para a resistência ativa do campo unitário tem como mote o alimento. O tema do alimento abre janelas para a discussão pública de temas como a fome, a água, o abastecimento e a saúde. Problematiza o modelo de desenvolvimento – rural, socioeconômico e até mesmo cultural – que queremos para o Brasil, uma vez que envolve questões de soberania nacional e popular, reconhecimento e valorização das culturas e tradições, e os objetivos e a função da educação e da pesquisa. Estamos, portanto, falando de economia política, e a questão da terra nos remete à repartição da renda gerada no processo produtivo e da riqueza advinda do uso dos bens da natureza.

Ações como a Greve Geral de 14 de junho, o Ato em Defesa da Soberania de 8 e 9 de agosto e a Marcha das Margaridas em 13 e 14 de agosto integram o calendário unitário dos movimentos do campo, das florestas e das águas, o qual envolve muitas outras atividades e datas ao longo de 2019. O diálogo com as pessoas em cada acampamento e assentamento, em cada território rural, em cada município é tarefa coletiva. Concomitante a esse trabalho, a atuação legislativa no Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores é fundamental, pois mostra que luta social e luta política são inseparáveis. Ressaltamos aqui a importância da presença dos sete parlamentares no seminário, todos do Partido dos Trabalhadores: Carlos Veras (PT/PE), Célio Moura (PT/TO), João Daniel (PT/SE), Marcon (PT/RS), Nilto Tatto (PT/SP), Paulo Teixeira (PT/SP) e Valmir Assunção (PT/BA). Para o enfrentamento no Congresso Nacional foi elaborada uma lista de prioridades de Projetos de Lei em tramitação aos quais devemos resistir, bem como uma lista daqueles que a nós interessa avançar.

A defesa de Lula, pela condenação sem provas e pelo que ele representa para a classe trabalhadora e para o Brasil, foi outro apontamento síntese do seminário. Mantendo seu compromisso com a defesa de um Brasil mais justo e sua história de lutas ao lado dos movimentos sociais, o ex-presidente enviou uma carta de saudação ao encontro.

Saímos de lá com a esperança renovada e cientes do tamanho do desafio que temos pela frente. Para aqueles que lutam pela terra, a vida nunca foi fácil. Mas esse é o nosso Brasil e essa é a nossa bandeira. Seguimos juntos, caminhando fileiras, pois como bem sabemos não está morto quem peleia.

Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)