Estante

Para entender os meandros e armadilhas da recessãoSe o negócio com a guerra (ou morte) está indo muito bem nos países imperialistas, o mesmo não ocorre com seus mercados internos: desde meados de 1990, investimentos e empregos estão sendo eliminados, configurando o início de uma nova recessão mundial. A gravidade é tanto maior na medida em que a tendência estagnacionista não foi superada pela última expansão cíclica.

Este é o tema central do livro A crise do capital, de Ernest Mandel. Foi o próprio Mandel quem desenvolveu, no clássico O capitalismo tardio, a primeira interpretação marxista de fôlego sobre o tema. A crise do capital representa uma continuidade cronológica daquele, já que seu ponto de partida é a nova onda estagnante, mais precisamente seu segundo estágio, quando ocorre a primeira recessão mundial generalizada (1974/75), enquanto o outro enfoca a expansão de 1940/45-1967. Ressalvando que o novo livro, uma coletânea de artigos, não tem a grandeza de seu antecessor.

Para confirmar a démarche pós-1968 da crise tendencial, o autor exibe vários dados indicando um declínio da taxas de retomo e de acumulação de capital nos países imperialistas, inclusive no boom mundial pós-1982. Sua contrapartida não-monetária é mais expressiva: subutilização da capacidade produtiva em setores industriais chave e altas taxas de desemprego (próximo a 35 milhões de trabalhadores). Portanto, crise de produção material e de valor, esta regendo e sendo afetada por aquela.

Seguindo uma certa concepção metodológica sobre literatura e história - problemática nos trabalhos essencialmente conceituais, mas adequada ao seu tema - Mandel trabalha constantemente a dialética conjuntura e estrutura, bem como do par macro e microeconomia. Este último, no âmbito de uma interpretação mundializante do ciclo e da tendência econômica, dá-lhe uma certa referência nas inter-relações entre mercado(s) interno(s) e mundial.

Assim são analisadas as recessões mundiais de 1974-75 e 1980-82. Ao mesmo tempo em que procura situar as nações que as precipitaram, a análise cuida de apontar como os ciclos nacionais são afetados pela intensidade da retração no mercado internacional, pelas novas formas de concorrência e pelo poderio econômico nacional. Este é o eixo de confirmação da lei do valor e que serve de base a algumas críticas do autor a economistas keynesianos. Porém, ao situar nas variações dos preços os limites das expansões nacionais, Mandel acaba negligenciando uma relação mais fundamental entre lucro interno e juro internacional. Já no estudo propriamente monetário das variações do dólar e do ouro, o resultado é uma brilhante atualização da análise marxiana do dinheiro e da moeda. Há também uma atenção - que poderia ser maior - para as mudanças que vão se processando no correr da crise tendencial, entre um cicio e outro. São temas deste acompanhamento tanto os fenômenos mais objetivos, como a evolução das rendas tecnológicas e do nível de endividamento, quanto os fenômenos institucionais, como as modificações na política de pleno emprego e do comércio externo.

O leitor brasileiro certamente se surpreenderá com o alcance de algumas observações de Mandel sobre a industrialização brasileira pós-1974, a qual ele dedica grande atenção. Partindo dos movimentos mundiais dos capitais industriais e financeiros, seus apontamentos permitem uma interpretação mais objetiva dos últimos ciclos e do longo período de estagnação da economia nacional. ausente em muitos estudos.

Finalmente, a crise dos (outrora) países centralmente planificados. Como ela se integra a esta crise mundial do capital? Para o autor, aqueles países viveram uma crise de subprodução, o que pressupõe uma interação diferenciada no mercado internacional. Com relação à diferença, o fenômeno mais emblemático é a ausência dos ciclos econômicos. Ela manifesta de modo conclusivo que tanto a apropriação da economia no tempo de trabalho quanto a circulação dos meios de produção são diferentes da forma capital. Por outro lado, a dinâmica das economias burocratizadas (conforme designação do autor) implica um atraso estrutural de produtividade, ou no fenômeno da subprodução, a qual é exposta nas relações comerciais com as nações capitalistas. Mandel aponta uma interação peculiar entre ambas, durante a crise, que antecipa muito bem o desfecho de 1989/90; embora sua orientação trotskista o levasse a supor outro movimento político.

Voltando à crise do ocidente. Um desafio dos trabalhadores nesta nova recessão será o de enfrentar as gestões empresariais e estatais de austeridade, respaldadas por uma grande vitória sobre as idéias socialistas. Será fundamental perceber que o que está ocorrendo é uma superproteção de capitais e não de bens concretos (paradoxo devido à lógica do louco) e elaborar programas alternativos em que a eliminação daqueles capitais não signifique a de empregos.

Essa é a grande contribuição deixada pelo livro de Mandel.

Carlos Alberto Cinquetti é professor do departamento de Economia da Unesp/Araraquara.