Estante

A metrópole de São Paulo no século XXIRefletir sobre as transformações de uma metrópole não é tarefa fácil. Ao longo do século 20 até os dias atuais são incontáveis as produções nacionais e internacionais que assumem esse desafio e buscam reconhecer padrões através de diferentes olhares analíticos. Essa empreitada é ainda mais desafiadora quando o objetivo é a reflexão sobre as transformações recentes em uma metrópole da dimensão de São Paulo, tal como faz Eduardo Marques, vice-diretor do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e professor do Departamento de Ciência Política da USP, em A Metrópole de São Paulo no Século XXI. Além de organizador, Marques é co-autor de quatro capítulos.

O exercício analítico presente no livro não se resume à leitura de padrões de distribuição e fluxos de pessoas no espaço da metrópole, adotando o conceito de centro-periferia, cunhado em meados dos anos 1970, frequentemente assumido para descrever tais processos em São Paulo. Também abrange, com zelo metodológico, transformações que dizem respeito à população que vive nessa cidade. Essa análise da dinâmica socioespacial, portanto, é articulada e fomentada através de indicativos socioeconômicos que aproximam o leitor e o levam a reconhecer um contexto que envolve mercado de trabalho, pobreza e alterações relativas a segregação escalonada por classe, gênero e raça. Esses temas são tratados nos capítulos da primeira parte do livro,“Dinâmicas econômicas, estrutura social e mercado de trabalho”, que ainda é composto por outras duas: “Dinâmicas demográficas e segregação residencial” e “A produção dos espaços da metrópole”.

As transformações socioeconômicas da população da metrópole de São Paulo são analisadas na primeira parte tendo como base os dados das décadas de 1990, 2000 e 2010. Os resultados apresentados provavelmente fomentarão o debate futuro sobre a cidade de São Paulo, pois demonstram um processo de decomposição lenta da desigualdade e se contrapõem a algumas leituras projetivas da dinâmica urbana realizadas nos anos 1990.

A tese defendida nos anos 1990 era de que aconteceria um processo de desindustrialização radical na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), tal como ocorreu em diversas capitais do Hemisfério Norte. Em certa medida foi também o que ocorreu nessa região brasileira, o que acarretou perda da qualidade dos postos de trabalho, aumento da informalização e a polarização dos “indivíduos localizados nos extremos da distribuição de renda”. Esse quadro foi revertido em meados da década de 2000, surgindo algumas incongruências. Embora as atividades ligadas ao setor de serviço tenham crescido, houve manutenção das atividades industriais com características fordistas, indicando que a desindustrialização foi menos profunda do que esperavam os especialistas. Ao mesmo tempo, houve um processo de “antipolarização” vinculado ao crescimento dos estratos médios, decorrente da valorização do rendimento dos trabalhadores de baixa qualificação e a criação de postos de trabalho relativamente melhores na estrutura ocupacional. Os autores reconhecem, portanto, uma dinâmica que explicita simultaneidade naquilo que diz respeito à oferta de trabalho na metrópole, defendendo a leitura de que esse contexto configura um quadro de “superposição das funções econômicas”.

A segunda parte do livro analisa as dinâmicas demográficas e migratórias da e na metrópole, e a segregação residencial relacionada, ou não, a esses processos. Os autores operam um jogo de escalas no mesmo recorte temporal da primeira parte, comparando deslocamentos que ocorrem em outras regiões do país aos que acontecem na RMSP. Vale destacar que, diferente de outras, na RMSP houve queda do fluxo migratório em direção à capital e um aumento desse fluxo em direção ao interior do estado. Quando analisam a migração intrametrópole, os autores explicitam como ficou reduzida a possibilidade de associação entre as dinâmicas migratórias e as características sociais de cada espaço da metrópole. Tais características nos anos 2000 foram orientadas mais por processos de produção do espaço localizados, como aqueles vinculados aos interesses do setor imobiliário. Em consequência, alguns bairros periféricos apresentaram crescimento e outros mantiveram-se estáveis, explicitando heterogeneidade. Já as áreas habitadas pela elite tornaram-se ainda mais exclusivas, evidenciando maior homogeneidade. Mais uma vez, os autores reconhecem dinâmicas simultâneas e contrastantes no espaço urbano da RMSP do século 21.

Os capítulos que compõem a última parte tratam dos processos de produção do espaço da metrópole. Estes são analisados comparando tanto as distintas áreas (Centro, Zona Leste e Zona Oeste), quanto as áreas de habitação precária na metrópole. Como processos que deram a tônica da urbanização, os autores destacam o campo das políticas habitacionais, como o programa Minha Casa, Minha Vida, e  a produção habitacional formal do mercado imobiliário, demarcando um ciclo de três fases, em que duas delas foram direcionadas para os grupos sociais renda de alta e média, na produção de espaços elitizados, e a última incluindo também um mercado popular, mais diversificado.

Em suma, as análises contidas no livro reorientam o debate sobre a metrópole de São Paulo revisando leituras e evitando entendimentos simplistas. Os autores operam fontes e métodos diversificados e conseguem explicitar processos simultâneos e contraditórios de maneira consistente, trazendo um novo panorama para os estudos urbanos ao elucidar a complexidade particular dessa região na atualidade.

Marcelo Rocco é sociólogo, mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP e pesquisador de temas relacionados a área da Sociologia do Espaço.