Estante

A mídia nas eleições 2006Como os grandes jornais cobriram a campanha presidencial de 2006? Quem foram os eleitores afetados pela revelação do dossiê das ambulâncias, às vésperas do primeiro turno? Quais as raízes da hostilidade das redações à candidatura Lula? Há alternativas ao crescente poder da mídia oligopolizada?

Essas e outras perguntas cruciais estão respondidas em A Mídia nas Eleições de 2006. Por sua abrangência e agudeza crítica, os onze artigos reunidos nesse volume formam um raro painel sobre a política brasileira. Venício A. de Lima conseguiu organizar uma coletânea que não só esclarece pontos nevrálgicos do pleito recente como lança luz a respeito de estruturas de poder cuja ignorância prejudica os projetos de transformação da sociedade.

Estudioso da comunicação há décadas, Lima vê hoje recompensada a sua escolha de objeto de pesquisa. A hipótese de que os meios de comunicação tenham pulado da condição de anfitriões e mediadores do debate público para a de protagonistas – ainda que disfarçados – da arena decisória deu uma relevância inédita ao campo cultivado por Venício. Assim, os que não lerem livros como esse ficarão à margem de um dos debates mais importantes do mundo contemporâneo.

A possível mudança de papel da imprensa é processo recente e ainda em curso. Aspectos novos e contraditórios necessitarão de pesquisa e debate para ser esclarecidos. Seja como for, numa etapa da democracia marcada por sucessão interminável de escândalos político-midiáticos, como os caracterizou o sociólogo inglês John Thompson, os veículos passaram a dispor de recursos de poder antes inexistentes.

Experimente o leitor explicar para um estrangeiro um dos casos escandalosos tratados pelo jornalismo nacional desde o impedimento de Collor, marco inicial de uma fase que, nos EUA também começa, não por acaso, com um impeachment, o de Nixon, em 1974. A certa altura, o visitante fatalmente perguntará: “Sim, mas de tudo isso que você me conta, o que ficou provado?” É provável que a resposta fique no ar.

Não se trata de que os elementos publicados sejam falsos. É preciso que se diga que a configuração social do escândalo abre uma possibilidade de transparência na atividade pública nunca antes conhecida. Ocorre que as histórias importantes envolvem sempre um emaranhado de fios tão complicado e controverso que o cidadão comum não tem como formar um juízo próprio. Dependerá da impressão do editor, o qual lhe apresenta sempre uma arrumação provisória dos fatos. Esta ficará na memória, independentemente das conclusões posteriores. Como a política real depende de oscilações de curto prazo, a seleção e a apresentação de notícias de impacto podem alterar o curso do acontecimentos.

Com o predomínio do escândalo,  que por conta da nova visibilidade em que estamos mergulhados tende a se perpetuar, as direções das empresas jornalísticas se tornaram detentoras de armas capazes de implodir carreiras, destruir partidos e afetar instituições numa proporção que faz parecer pertencentes  a um período ingênuo da profissão personagens como o cidadão Kane.

Por uma conjunção de fatores – entre eles o de que o principal candidato havia se consolidado no eleitorado depois de disputar o mesmo cargo por quase duas décadas, como mostra Marcos Coimbra em excelente ensaio –, o resultado final da eleição de 2006 não confirmou a influência da mídia. Convém lembrar, porém, que a divulgação maciça de informações e imagens parece ter provocado o segundo turno, o que não é um feito desprezível.

No texto de conclusão, o cientista político Luiz Felipe Miguel faz substantiva análise de alternativas para dar conta dos desafios postos pela mídia em sua etapa atual. Entre as saídas, aponta a conveniência de estudar a adoção no Brasil de práticas legais vigentes nos EUA até os anos Reagan. Conhecida como Fairness Doctrine, tratava-se de regra que obrigava a dar espaço equivalente para as posições opostas em qualquer situação de controvérsia. É um de vários caminhos indicados pelo  autor. Concorde-se ou não com eles, a leitura de A Mídia nas Eleições de 2006 é obrigatória para os que desejam dotar a democracia de meios para avançar nesse campo.

André Singer é jornalista e cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da USP e da FGV. Foi secretário de Imprensa e porta-voz da Presidência da República no governo Lula